São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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+ Cultura

Razão e sensibilidade

Coletânea lançada na Inglaterra investiga os pontos de contato entre ciência e poesia

PETER FORBES

Como dois reagentes químicos sem o catalisador necessário, a ciência e a poesia permanecem amplamente alheias, apesar de tentativas bem-intencionadas de ambos os lados.
Esta iniciativa de largo alcance -"Contemporary Poetry and Contemporary Science" [Poesia e Ciência Contemporâneas, Oxford University Press, 250 págs., 19,99 libras, R$ 82]- demonstra algumas das razões disso e talvez sugira um caminho pelo qual avançar.
A idéia foi encomendar peças de prosa e poesia a poetas e cientistas e também arranjar encontros entre os dois. Os breves relatos dessas reuniões traem uma ansiedade excessiva de cada lado para ser deferente com o outro.
Felizmente, como antídoto a essa polidez, o livro tem uma peça magnífica de Miroslav Holub, escrita pouco antes de sua morte, em 1998. Holub é tão incisivo, tão irreverente, tão à vontade no laboratório e na página que nos faz pensar se o restante do livro contém tantas interações sólidas, sendo a resposta óbvia que Holub é o único entre os contribuintes que foi agraciado tanto na imunologia quanto na poesia.
Sua peça tenta sabotar o empreendimento, declarando que "os cientistas tendem a evitar a aterrorizante palavra "ciência'". Um verdadeiro interesse pela ciência implica curiosidade sobre coisas específicas.
Mas, como indica Holub, "é muito mais fácil conversar sobre algo tão... pessoal quanto a poesia. Eu rejeito totalmente esse tipo de conversa intelectual". Já Jocelyn Bell Burnell, famosa descobridora dos pulsares, tem um sentimento profundo pela poesia e escreve com verdadeiro insight.

Neurociência
O livro tem forte contingente escocês e o editor (escocês) afirma que a Escócia tem um melhor histórico de intercâmbio entre poesia e ciência do que a Inglaterra. Isso é verdade, mas ambas as tradições empalidecem ao lado da italiana, de Lucrécio a Galileu, passando por Calvino e Primo Levi.
É uma pena que o editor continue dando crédito aos excessos dos primeiros modernistas, que gostavam de alegar um parentesco espúrio com a relatividade de Einstein e a revolução quântica. A relatividade é uma ciência precisa relacionada a efeitos que ocorrem na velocidade da luz; nada tem a ver com o relativismo humano.
Mas uma disciplina tem clara relação com a poesia: a neurociência. Kay Redfield Jamieson discute um trabalho sobre bipolaridade que mostra que as pessoas na fase maníaca têm capacidades verbais e associativas realçadas. Algumas chegam a "escrever poesia e falar em rimas espontaneamente". Como diz, o estudo do estado de espírito é o lugar de encontro natural entre poesia e ciência.


Este texto foi publicado no "Independent".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

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