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ALMODÓVAR A técnica é uma ilusão
O
problema da geração mais
nova [de cineastas] com
relação às precedentes é o
fato de ter crescido em
uma cultura na qual a imagem se
tornou onipresente e onipotente.
Banharam-se desde pequenos no
universo do videoclipe e da publicidade, que não são formatos que me
atraíam, pessoalmente, mas cuja riqueza visual é inegável. E por isso os
cineastas estreantes têm uma cultura e um domínio de imagem muito
superiores aos que seus predecessores tinham 20 anos atrás.
Mas, em razão disso, eles também
abordam o cinema de uma forma
que privilegia a forma ao conteúdo,
e creio que chega um momento em
que isso os atrapalha. De fato, creio
que a técnica é uma ilusão. [...]
Há cineastas que dizem imaginar o
filme inteiro em suas cabeças, antecipadamente, mas mesmo assim há
muitas coisas que não se revelam, a
não ser no momento, quando todos
os elementos de uma cena estão
montados no local de filmagem.
O primeiro exemplo que me ocorre é o do acidente de carro em "Tudo
sobre Minha Mãe" [1999]. No começo, eu planejava filmar com uma
grua e terminar com um longo "travelling", acompanhando a mãe em
sua corrida pela rua, sob a chuva, na
direção do filho agonizante. Mas
acabei por repensar e disse a mim
mesmo que o "travelling" era parecido com um plano que eu já utilizara
no final de "A Lei do Desejo" [1987].
E por isso decidi, de improviso, naquele momento, rodar a cena de maneira completamente diferente, ou
seja, como uma tomada subjetiva. A
câmera filma do ponto de vista do
rapaz, passa por baixo do carro e se
perde no sol, e enfim ele vê a mãe
correndo em sua direção.
No final, terminou sendo sem dúvida um dos planos mais fortes do
filme. No entanto não foi de maneira
nenhuma premeditado. Tudo surgiu de decisões intuitivas, improvisadas ou acidentais, que são a magia
da filmagem. [...]
Close-up perigoso
O fato é que não tenho fetiches ou
manias, na hora de rodar uma cena.
Mas, nos meus dois últimos filmes,
surgiram detalhes muito peculiares.
Para começar, usei um novo tipo de
lente, chamadas "primes", que me
satisfizeram muito, pela densidade
que dão às cores e, acima de tudo
-o que pode surpreender- pela
textura que emprestam aos objetos
que não ficam em foco, no segundo
plano de certas imagens.
Além disso, e isso é o mais importante, utilizei basicamente o modo
"scope", com um formato de imagem muito mais alongado. O "scope" não é um formato evidente e oferece certos problemas, especialmente no caso dos planos próximos. Para filmar um close-up nesse formato,
é preciso fechar nos rostos, e ocasionalmente isso se torna perigoso,
porque não há como mentir. Isso
obriga a encarar a questão quanto ao
que se quer realmente dizer com o
close-up. Os atores precisam ser
bons, e é preciso que haja algo de
verdadeiro naquilo que interpretam
-ou a cena descamba.
Digo isso, mas poderia facilmente
oferecer um exemplo inverso daquilo que estou dizendo: [o cineasta italiano] Sergio Leone [1929-1989]. A
maneira pela qual ele filmava close-ups extremamente próximos em
seus westerns era completamente
artificial. Lamento muito, mas Charles Bronson [1922-2003], para mim,
é um ator que nada exprime. E a intensidade que deriva dos close-ups
de seu rosto durante as cenas de
duelo é completamente falsa. No entanto sou obrigado a reconhecer que
o público adora o estilo.
O exemplo oposto é David Lynch.
No caso dele, embora filme certos
objetos em close-up, consegue dotar
as imagens de um verdadeiro poder
de sugestão.
Os planos não são só impecáveis
do ponto de vista estético mas repletos de mistério. A abordagem dele
corresponde à minha, mas eu sou
muito mais fascinado pelos atores,
adoro filmar rostos, enquanto
Lynch, que começou nas artes plásticas, visivelmente se interessa mais
pelos objetos.
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