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CRONENBERG Escrita é arte maior
Pode parecer chocante, mas
em algum lugar acredito que
continuo considerando a literatura uma arte superior ao
cinema. É provavelmente por esnobismo ou porque, como disse antes,
sempre pensei que minha carreira
"séria" seria escrever romances e
que o cinema seria apenas um
hobby, uma coisa que eu faria paralelamente. Ao mesmo tempo, quando conheci Salman Rushdie [escritor britânico, autor de "Versos Satânicos"], que considero um dos autores mais ricos e mais intensos de sua
geração, pedi sua opinião.
Isso me parecia ainda mais interessante porque ele cresceu na Índia,
onde o cinema tem uma importância cultural enorme. Então lhe perguntei se ele considerava a literatura
uma arte superior ao cinema, e ele
me olhou como se eu fosse louco. Ele
disse que pensava exatamente o
contrário e que estaria disposto a tudo para poder realizar um filme. [...]
A câmera é um ator
Na primeira vez em que me encontrei em um set de filmagem, lembro-me de ter ficado aterrorizado com a
idéia de espaço, porque, se a escrita é
um universo bidimensional, o cinema é tridimensional.
Não falo da imagem, é claro, mas
do set. É um universo onde é preciso
gerar não apenas o espaço mas também a relação das pessoas e dos objetos nesse espaço e organizar tudo
para que seja eficaz e para que, além
disso, tenha sentido.
Pode parecer abstrato dito assim,
mas, quando estamos diante do problema, acredite-me, é muito concreto. Pois a câmera ocupa seu próprio
lugar nesse espaço, ela é como mais
um ator.
E em muitos filmes de estréia eu
noto o mesmo defeito: a incapacidade de dançar com a câmera, de traduzir corretamente essa espécie de
balé gigantesco formado por todos
os elementos de um set de filmagem.
Por outro lado, o que é formidável é
que a maioria das decisões a serem
tomadas vêm de maneira completamente instintiva. [...]
Quanto mais filmes faço, mais sinto vontade de rigor e purismo ou de
minimalismo. É por isso que um filme como "Exiztenz" [1999] é filmado quase totalmente com uma única
lente, no caso a de 27 milímetros.
Quero ser simples e direto, à maneira de um [Robert] Bresson [1901-99]
e, por outro lado, o oposto completo
de um Brian de Palma [1940], que
vai constantemente buscar uma
maior manipulação da imagem e
uma maior complexidade visual.
Não critico o que ele faz, mas é outra abordagem. Também nunca utilizo o zoom, porque para mim é somente um brinquedo ótico. Então,
quando movimentamos a câmera, a
mudança de perspectiva o projeta fisicamente no espaço do filme. Novamente, o zoom tem alguma coisa de
bidimensional que não corresponde
à minha idéia de cinema.
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