São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2004

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CRONENBERG Escrita é arte maior

Pode parecer chocante, mas em algum lugar acredito que continuo considerando a literatura uma arte superior ao cinema. É provavelmente por esnobismo ou porque, como disse antes, sempre pensei que minha carreira "séria" seria escrever romances e que o cinema seria apenas um hobby, uma coisa que eu faria paralelamente. Ao mesmo tempo, quando conheci Salman Rushdie [escritor britânico, autor de "Versos Satânicos"], que considero um dos autores mais ricos e mais intensos de sua geração, pedi sua opinião.
Isso me parecia ainda mais interessante porque ele cresceu na Índia, onde o cinema tem uma importância cultural enorme. Então lhe perguntei se ele considerava a literatura uma arte superior ao cinema, e ele me olhou como se eu fosse louco. Ele disse que pensava exatamente o contrário e que estaria disposto a tudo para poder realizar um filme. [...]

A câmera é um ator
Na primeira vez em que me encontrei em um set de filmagem, lembro-me de ter ficado aterrorizado com a idéia de espaço, porque, se a escrita é um universo bidimensional, o cinema é tridimensional.
Não falo da imagem, é claro, mas do set. É um universo onde é preciso gerar não apenas o espaço mas também a relação das pessoas e dos objetos nesse espaço e organizar tudo para que seja eficaz e para que, além disso, tenha sentido.
Pode parecer abstrato dito assim, mas, quando estamos diante do problema, acredite-me, é muito concreto. Pois a câmera ocupa seu próprio lugar nesse espaço, ela é como mais um ator.
E em muitos filmes de estréia eu noto o mesmo defeito: a incapacidade de dançar com a câmera, de traduzir corretamente essa espécie de balé gigantesco formado por todos os elementos de um set de filmagem. Por outro lado, o que é formidável é que a maioria das decisões a serem tomadas vêm de maneira completamente instintiva. [...]
Quanto mais filmes faço, mais sinto vontade de rigor e purismo ou de minimalismo. É por isso que um filme como "Exiztenz" [1999] é filmado quase totalmente com uma única lente, no caso a de 27 milímetros. Quero ser simples e direto, à maneira de um [Robert] Bresson [1901-99] e, por outro lado, o oposto completo de um Brian de Palma [1940], que vai constantemente buscar uma maior manipulação da imagem e uma maior complexidade visual.
Não critico o que ele faz, mas é outra abordagem. Também nunca utilizo o zoom, porque para mim é somente um brinquedo ótico. Então, quando movimentamos a câmera, a mudança de perspectiva o projeta fisicamente no espaço do filme. Novamente, o zoom tem alguma coisa de bidimensional que não corresponde à minha idéia de cinema.


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