São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2004

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WOO Filme sem gramática

Não conheço nenhuma regra, nenhuma verdadeira "gramática" do cinema. Quando preparo uma cena, não digo "oh, é preciso filmá-la em grande plano" ou "oh, isso é um grande plano". Prefiro filmar de várias distâncias e tomar minha decisão final na montagem, porque é ao mesmo tempo o momento em que melhor consigo ter um espírito de síntese e aquele em que o filme começa realmente a ganhar vida.
Portanto, não hesito em filmar cada cena com várias câmeras (já tive até 15 câmeras para cenas de ação especialmente complexas) e até rodar algumas câmeras em velocidades diferentes (minha velocidade preferida é de 512 imagens por segundo, ou seja, 20 vezes mais lenta que a normal). O motivo dessa desaceleração é que, quando descubro na montagem um momento especialmente forte, do ponto de vista dramático ou emocional, gosto de fazê-lo durar o maior tempo possível. Portanto, filmo sob vários ângulos ao mesmo tempo, mas pode acontecer que no final o desempenho do ator seja tão formidável que eu decida utilizar apenas o grande plano para a cena inteira e jogar fora todo o resto. [...]

Burocracia de Hollywood
Já se disse que os estúdios de Hong Kong são muito duros, e é verdade, mas unicamente porque eles são obcecados pelo aspecto comercial dos filmes. Se você tiver um fracasso de bilheteria, eles se livram de você com uma rapidez assustadora.
Por outro lado, enquanto funcionar, eles lhe dão um controle criativo total na filmagem. Nunca mostrei meus copiões aos produtores, quando trabalhava em Hong Kong. Eu filmava e lhes entregava o produto acabado, muitas vezes com atraso e tendo ultrapassado o orçamento. Mas eles só se queixavam se o filme não desse dinheiro.
Em Hollywood fiquei francamente surpreso de ver a que ponto o processo criativo é complexo e político. Há muitas pessoas envolvidas que querem impor suas idéias, reuniões demais e não se assumem riscos suficientes. É preciso ter uma energia incrível para ainda ter vontade de filmar quando finalmente lhe dão a aprovação. O problema é que eu trabalho enormemente pelo instinto. Gosto de criar no set, e não antes. [...]
Para trabalhar bem com atores, acredito que é preciso estar um pouco apaixonado por eles. Isso é uma coisa que compreendi muito cedo, assistindo a "A Noite Americana" [1973], de [François] Truffaut [1932-84]. Era fascinante ver a que ponto ele amava seus atores. Para mim é a mesma coisa. Por isso insisto em passar muito tempo com eles antes da filmagem e discuto muito para descobrir quem eles são e o que têm na cabeça. Faço-os falar sobre seu modo de vida, seus sonhos, aquilo de que gostam e o que detestam.


Traduções de Luiz Roberto M. Gonçalves.


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