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QUEDA DE UMA MURALHA
PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS ORIENTAIS DA USP, CIENTISTA POLÍTICO DAVID SHYU DEFENDE ASSIMILAÇÃO DOS CHINESES NO BRASIL
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Para David Shyu, professor do departamento de línguas
orientais da USP, a
aculturação da comunidade chinesa no Brasil é
facilitada pela boa convivência
entre os imigrantes, provenientes de diversas regiões.
Shyu, que, além de estudar os
aspectos culturais e lingüísticos do fenômeno, é formado
em ciência política em Taiwan,
diz que chegou a hora de os chineses deixarem o gueto, pois já
existem novas gerações de sino-brasileiros em quantidade
suficiente para uma integração
semelhante àquela ocorrida
com os japoneses.
Autor da pesquisa "Aculturação na Comunidade Chinesa
no Brasil", ele não comenta a
imigração chinesa do século 19,
afirmando que há poucos documentos que auxiliem a compreensão desse período.
FOLHA - Quando e onde nasceu?
DAVID SHYU - Nasci em 1939 na
Indonésia. Meu pai e minha
mãe são chineses do Cantão.
Jovem mudei para Taiwan, onde fiz o curso superior em ciência política. Por isso não falo
em "Taiwan e China": é "Taiwan e China continental", uma
China só. Assim é oficialmente.
FOLHA - O sr. aceita a divisão da
migração chinesa recente em dois
períodos (antes da abertura econômica, a partir dos anos 1950, principalmente do Cantão e de Taiwan; e
da China continental nas duas últimas décadas)?
SHYU - Sim. Quase não há documentos da imigração anteriores a 1956, 1957. Por isso é
muito difícil fazer pesquisa, e
por isso a fazemos conversando
com pessoas de mais idade.
Mas, como pesquisador, tenho um ponto de vista diferente do comum. Para mim, é melhor quando o imigrante chinês -a mesma coisa para qualquer
país- se integra à sociedade.
Coisas como "chinatowns"
formam ilhas. Sofri com esse
costume: quando cheguei, fui
trabalhar no Centro Social Chinês e só tinha contato com chineses, por isso o português não
aprendi bem [sic].
FOLHA - Os chineses são mais fechados que outras comunidades
asiáticas -japoneses ou coreanos,
por exemplo?
SHYU - Ainda não fiz pesquisa
de comparação. Mas os japoneses, porque têm uma história
mais longa e uma população
maior, têm mais aculturação, a
integração é melhor. Os coreanos são mais fechados; o chinês
fica no meio.
O chinês que vem na "meia
idade" não gosta do Brasil. Ele
tem dificuldade com a língua,
porque já tem mais de 40 anos,
é mais difícil aprender, e acaba
não gostando da cultura brasileira. Também há pessoas conservadoras por influência da família, mas a situação já mudou
nos últimos 15 anos.
A terceira geração já cresceu,
por isso há muitos descendentes de chineses que quase não
falam chinês. Portanto, há
aculturação.
FOLHA - E há diferença entre as comunidades vindas antes e depois da
abertura?
SHYU - No início vinham de
Taiwan e Cantão. Era mais fácil
sair de Cantão para o mar. Antes dos anos 50, saía-se por causa da pobreza. Depois de Mao
Tsé-tung, quando os comunistas tomaram o poder, saiu mais
gente do norte, de Xangai, gente mais rica, empresários.
Vim convidado pelo Centro
Social Chinês para dar aula de
língua chinesa. Desde a década
de 1920, o governo nacionalista
[de Taiwan] manda professores
para o exterior.
FOLHA - O bairro da Liberdade, em
São Paulo, concentra japoneses e
chineses, povos de rivalidade histórica, além de coreanos. O sr. foi vítima de preconceito?
SHYU - Não, mas às vezes é difícil saber se o outro é japonês ou
chinês. Se vou a uma loja, pergunto em português: "Quanto
custa?". O Brasil tem o coração
aberto. Por isso o chinês não
tem dificuldades com preconceito, racismo -nos EUA, sim,
é mais grave.
FOLHA - Há um dialeto chinês do
Brasil?
SHYU - Toda comunidade tem
isso. Aqui, quando se fala chinês, mistura-se com o português. Por exemplo, "festa".
É difícil traduzir para o chinês. "Jintian wo you yi ge "festa'" [Hoje tenho uma festa].
Também usamos [nas conversas, palavras como] "feira" e
"maçã". Há a palavra em mandarim, mas o chineses já usam
em português. Usam "ônibus",
não "gong che". Assim é bom, é
o processo natural.
FOLHA - O mandarim tem chance
de substituir o inglês?
SHYU - Nunca! Como professor
de língua chinesa, não vejo no
futuro próximo essa possibilidade. O inglês é a língua universal. E o chinês não é muito fácil.
FOLHA - A cultura chinesa ainda
vem estereotipada?
SHYU - Sim, tem mais gente
que vê o kung fu, o feng shui, isso é cultura popular. Mas os intelectuais procuram a religião
taoísta, o pensamento de Lao Zi
-se bem que confundem e o
chamam de "fundador da religião taoísta", quando são duas
coisas diferentes.
FOLHA - A China está se tornando
uma potência acadêmica nas áreas
de exatas e biológicas. O sr. acha
que falta investimento em humanidades?
SHYU - Sim, mas o governo está
reagindo. Está expandindo o
Instituto Confúcio -a China
envia professores para o mundo inteiro, faz acordo com instituições. A meta para 2006 era
ter cem unidades no mundo,
mas ela foi batida e continua
crescendo.
Mas, enquanto a Alemanha
tem o Instituto Goethe e a
França, a Aliança Francesa,
quando a China faz o mesmo,
chamam isso de imperialismo
cultural!
FOLHA - Há preconceito da mídia?
SHYU - Veja a questão do Tibete: se tem quebra-quebra em
Santo Amaro, é diferente?
Monge pode depredar?
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