São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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QUEDA DE UMA MURALHA

PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS ORIENTAIS DA USP, CIENTISTA POLÍTICO DAVID SHYU DEFENDE ASSIMILAÇÃO DOS CHINESES NO BRASIL

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para David Shyu, professor do departamento de línguas orientais da USP, a aculturação da comunidade chinesa no Brasil é facilitada pela boa convivência entre os imigrantes, provenientes de diversas regiões. Shyu, que, além de estudar os aspectos culturais e lingüísticos do fenômeno, é formado em ciência política em Taiwan, diz que chegou a hora de os chineses deixarem o gueto, pois já existem novas gerações de sino-brasileiros em quantidade suficiente para uma integração semelhante àquela ocorrida com os japoneses.
Autor da pesquisa "Aculturação na Comunidade Chinesa no Brasil", ele não comenta a imigração chinesa do século 19, afirmando que há poucos documentos que auxiliem a compreensão desse período.  

FOLHA - Quando e onde nasceu?
DAVID SHYU
- Nasci em 1939 na Indonésia. Meu pai e minha mãe são chineses do Cantão. Jovem mudei para Taiwan, onde fiz o curso superior em ciência política. Por isso não falo em "Taiwan e China": é "Taiwan e China continental", uma China só. Assim é oficialmente.

FOLHA - O sr. aceita a divisão da migração chinesa recente em dois períodos (antes da abertura econômica, a partir dos anos 1950, principalmente do Cantão e de Taiwan; e da China continental nas duas últimas décadas)?
SHYU
- Sim. Quase não há documentos da imigração anteriores a 1956, 1957. Por isso é muito difícil fazer pesquisa, e por isso a fazemos conversando com pessoas de mais idade.
Mas, como pesquisador, tenho um ponto de vista diferente do comum. Para mim, é melhor quando o imigrante chinês -a mesma coisa para qualquer país- se integra à sociedade.
Coisas como "chinatowns" formam ilhas. Sofri com esse costume: quando cheguei, fui trabalhar no Centro Social Chinês e só tinha contato com chineses, por isso o português não aprendi bem [sic].

FOLHA - Os chineses são mais fechados que outras comunidades asiáticas -japoneses ou coreanos, por exemplo?
SHYU
- Ainda não fiz pesquisa de comparação. Mas os japoneses, porque têm uma história mais longa e uma população maior, têm mais aculturação, a integração é melhor. Os coreanos são mais fechados; o chinês fica no meio.
O chinês que vem na "meia idade" não gosta do Brasil. Ele tem dificuldade com a língua, porque já tem mais de 40 anos, é mais difícil aprender, e acaba não gostando da cultura brasileira. Também há pessoas conservadoras por influência da família, mas a situação já mudou nos últimos 15 anos.
A terceira geração já cresceu, por isso há muitos descendentes de chineses que quase não falam chinês. Portanto, há aculturação.

FOLHA - E há diferença entre as comunidades vindas antes e depois da abertura?
SHYU
- No início vinham de Taiwan e Cantão. Era mais fácil sair de Cantão para o mar. Antes dos anos 50, saía-se por causa da pobreza. Depois de Mao Tsé-tung, quando os comunistas tomaram o poder, saiu mais gente do norte, de Xangai, gente mais rica, empresários.
Vim convidado pelo Centro Social Chinês para dar aula de língua chinesa. Desde a década de 1920, o governo nacionalista [de Taiwan] manda professores para o exterior.

FOLHA - O bairro da Liberdade, em São Paulo, concentra japoneses e chineses, povos de rivalidade histórica, além de coreanos. O sr. foi vítima de preconceito?
SHYU
- Não, mas às vezes é difícil saber se o outro é japonês ou chinês. Se vou a uma loja, pergunto em português: "Quanto custa?". O Brasil tem o coração aberto. Por isso o chinês não tem dificuldades com preconceito, racismo -nos EUA, sim, é mais grave.

FOLHA - Há um dialeto chinês do Brasil?
SHYU
- Toda comunidade tem isso. Aqui, quando se fala chinês, mistura-se com o português. Por exemplo, "festa". É difícil traduzir para o chinês. "Jintian wo you yi ge "festa'" [Hoje tenho uma festa]. Também usamos [nas conversas, palavras como] "feira" e "maçã". Há a palavra em mandarim, mas o chineses já usam em português. Usam "ônibus", não "gong che". Assim é bom, é o processo natural.

FOLHA - O mandarim tem chance de substituir o inglês?
SHYU
- Nunca! Como professor de língua chinesa, não vejo no futuro próximo essa possibilidade. O inglês é a língua universal. E o chinês não é muito fácil.

FOLHA - A cultura chinesa ainda vem estereotipada?
SHYU
- Sim, tem mais gente que vê o kung fu, o feng shui, isso é cultura popular. Mas os intelectuais procuram a religião taoísta, o pensamento de Lao Zi -se bem que confundem e o chamam de "fundador da religião taoísta", quando são duas coisas diferentes.

FOLHA - A China está se tornando uma potência acadêmica nas áreas de exatas e biológicas. O sr. acha que falta investimento em humanidades?
SHYU
- Sim, mas o governo está reagindo. Está expandindo o Instituto Confúcio -a China envia professores para o mundo inteiro, faz acordo com instituições. A meta para 2006 era ter cem unidades no mundo, mas ela foi batida e continua crescendo.
Mas, enquanto a Alemanha tem o Instituto Goethe e a França, a Aliança Francesa, quando a China faz o mesmo, chamam isso de imperialismo cultural!

FOLHA - Há preconceito da mídia?
SHYU
- Veja a questão do Tibete: se tem quebra-quebra em Santo Amaro, é diferente? Monge pode depredar?


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