São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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MILLÔR

Deus é brasileiro. Felizmente ACM é só baiano.

1) Sintoma
Noutro dia, falando a um ministro, FhC sentiu subitamente enorme sentimento de gratidão. Foi levado com urgência a um hospital.

2) O verbo e a ciência
Sem que muito se perceba, a medicina somática (que fez progressos inacreditáveis neste século, mas ainda não chegou lá) é das poucas, senão a única, propostas de cura, que mata. Depois de dois mil anos de poder absolutista, continua usando sua linguagem esotérica para controlar, com mão (ou bisturi) de ferro, o ser humano e seu medo da doença e da morte. Quando chegamos a ela, estamos sempre no ponto mais frágil da condição humana.
E ela sempre tentou, e durante períodos da história conseguiu (pelo menos no mundo ocidental), botar fora da lei toda outra espécie de cura ou experimento medicinal. Embora suas técnicas e máquinas raramente façam o que apregoam, já que nem os médicos (sei, sei, há mil exceções), conseguem interpretá-las, essa medicina se tem, e se impõe, como a única fé verdadeira.
E a terminologia é o esteio com que ela protege a cada vez mais constante falta de dedicação, ou pelo menos de atenção, dos seus profissionais (a medicina é um sacerdócio ou, como também a imprensa em seu pior, é apenas um armazém de secos e molhados).
No momento, par exemple, somos dominados pela extraordinária imponência, o iluminado iluminismo, dessa expressão cabalística, ubíqua, polivalente, enfim, sagrada, ante a qual todos devemos nos ajoelhar, murmurando contritos; ressonância magnética.
Só encontro esoterismo maior, uso de todos os truques da cabala oriental, na terminologia da informática.

3) Irmãos em tempo
E já que estamos falando em medicina. Em países civilizados os chefes de estado são obrigados a xecapes semestrais. O Estado não pode correr o risco de ficar sem seu Chefe por inesperado acidente com a saúde. FhC tem feito o xecape, mas errado. Sempre foi um deficiente intelectual, como demonstra sobejamente - o poliglotismo que, de certa forma, porteiros de hotel também têm, maquia isso para os tolos - desde o seu livro "clássico" (Teoria da Dependência e Desenvolvimento da América Latina, Sarney puro.), passando pela "posse" na prefeitura de São Paulo e por todas suas declarações e ditos públicos nos últimos 10 anos. É caso típico de megalomania galopante com desvio do septo mental.

4)Irmãos etários
Sentado ali, em frente a mim, na sua casinha humílima de Sta. Cruz, Rio de Janeiro, cercado de filhos, não tendo na fisionomia nada que lembrasse a lenda facinorosa que assombrou nossas infâncias. Volta Seca, última memória do cangaço, falou e disse: "Passei oito dias comendo folha do mato, como bicho."/ "Eles matavam. E diziam que era Lampião." / "Maria Bonita era uma mulher de raça." / "Eles tinham sempre 600 contra 90. E perdiam." / "Eles atiravam, nós só na risada, sem dá nem um tiro. No dia seguinte tinha oito mortos."/ "Essa raça tem de morrer tudo." / "Lampião dava água pros macacos (policiais) presos e matava eles. Pra eles num morrê com sede." / "Ninguém enterrava mortos. Ficava tudo lá, uai!" / "A gente chegava nas cidades, Lampião mandava ir logo cortando os fios do telefone e tudo." / O que Lampião não gostava mesmo era de cagüete (alcagüete)." / "Maria Bonita disse pra ele: 'Eu morro com você'." / "Onde 90, 100 atiram no meio de 200, 300, ninguém sabe quem matou." / "Lampião me perguntou se eu disse que dava tiro na cara dele. E eu: 'Dava, não. Dou!'" / "Tô preso? Olha, rapaz, eu pego você sem Deus me ajudar. "Foi a palavra mais errada que eu disse na minha vida." / "Quando me entregaram, todo amarrado, foi o mesmo que entregar um mosquito pros urubus." / "Aquelas cabeças penduradas. Aquilo seria uma grande revolta pra família, pra criar novamente a mesma coisa que era." / "Entrei pro bando com 11 anos." / "O cara violou minha irmã, enterrei a minha faca no umbigo dele. Eu tinha 10 anos." / "Atravessei a maré todo ensangüentado." / "O cara caiu já pronto. Aí cortei a orelha e o beiço dele." / "Tô vendo aquele alvoroço. Aí me disseram: "É o Lampião com o bando todo". / "Lampião perguntou se eu queria ir com ele ou morrer. Eu fui né?" / "No bando num tinha ás nem rei. Era um por todos e todos por um." / "O cabo já tava bem furado. Lampião disse pro Zé: 'Vai lá e dá um tirinho na cara dele'." / "Inventaram muita história só pra crescer a perseguição a Lampião." / "Dois do bando tentaram violar uma moça. Lampião fuzilou eles. Ele não dmitia isso."/ "Tinha sempre um que era mais perverso."
"E no fim da história, preso e condenado", Volta Seca resume, em forma de moral: "Eu peguei 145 anos. Pedi ao Juiz pra me dar 140 ou completar 150".
Olho o homem, a cara curtida por séculos de vida. É mais moço do que eu." Tempos de Pasquim.

Site do Millôr: www.uol.com.br/millor



Texto Anterior: José Simão
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