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Sociólogo francês analisa as razões do crescimento do pentecostalismo e discute
as características necessárias ao estudo dos fenômenos religiosos
O enfraquecimento do protestantismo
Luiz Felipe Pondé
especial para a Folha
Jean-Paul Willaime, professor da divisão de ciências religiosas da Escola Prática de Altos Estudos da Sorbonne (Universidade de Paris 4), é sociólogo de formação e
grande especialista em protestantismo na França. Durante visita ao Brasil, trazido pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e pela Universidade Metodista, Willaime conversou com a Folha. Um dos temas que mais
preocupa Willaime é o chamado "analfabetismo religioso"
que assola o Ocidente: "Como se pode compreender a história da arte, da cultura, da arquitetura, quando se é analfabeto em história das religiões? Mesmo Voltaire, inimigo
máximo da religião, sabia que sem conhecer religião não se
pode compreender o mundo!". O cientista da religião e
professor da Universidade Metodista Antônio Gouvêia
Mendonça também participou da discussão a seguir com
Willaime.
O senhor escreveu uma obra definitiva acerca do protestantismo, "La Precarité du Protestantisme" (ed. Labor et Fides, França). O que vem a ser essa "fragilidade" específica
do protestantismo, fragilidade que o catolicismo não teria?
O que me intrigou como sociólogo foi o fato de que ainda que o protestantismo (o luteranismo e o calvinismo)
fosse desde a sua origem um fenômeno em forte sintonia com o processo moderno de secularização da sociedade ocidental, sendo muito mais aberto para as mudanças liberalizantes, como o movimento das mulheres, o aborto, o capitalismo etc., foi também a "religião"
que mais se enfraqueceu na modernidade, dentro do
universo cristão europeu. Minha tese é que é exatamente essa sintonia que gera a precariedade. O protestantismo histórico apresentou sempre uma preferência pelo
discurso racional, pela prédica em detrimento do ritual;
essa postura "racionalista" faz com que esse protestantismo esteja sempre mais aberto para as variações das
concepções filosóficas em ação em uma determinada
época e, se teve sucesso nos séculos 16 e 17, foi exatamente porque naquela época a teologia era uma referência fundamental dentro do panorama filosófico europeu. Na medida em que a teologia "decaiu", esse protestantismo também perdeu seu espaço. O ritual, o
emocional parecem durar mais no tempo e estão mais
"protegidos" do desgaste das concepções filosóficas. Na
sociedade moderna essa hiperadaptação significou a
perda de visibilidade na lógica psicossocial. Sua ética
contextual se dissolveu no mundo secularizado. É interessante perceber que o retorno ao protestantismo se
deu exatamente por meio da sua veia emocional, isto é,
o pentecostalismo.
O Brasil é talvez o maior "produtor" de pentecostalismo no mundo. É comum a associação entre o fenômeno e
a demagogia, a alienação e a manipulação financeira. Essa não é uma leitura redutora?
O pentecostalismo é historicamente uma produção
da Reforma; já no século 16 existiam tendências
emocionalistas. Ele é o cristianismo da emoção, trata-se exatamente dessa plasticidade da emoção que
abre o espaço para a demagogia, mas reduzir o pentecostalismo à manipulação financeira é não compreendê-lo.
O senhor concorda com Manuel Castells sobre o essencial
papel da retomada religiosa como produtora de identidade?
Claro. Nem todos os pastores são agentes "interesseiros". Tal forma de abordagem é errada. As igrejas
perderam o poder público e deixaram de gerar hierarquias na sociedade. Por outro lado, é nas formas
de tipo pentecostal e carismático que o cristianismo
retoma seu caráter de uma religião por escolha e não
por hereditariedade. Trata-se de uma religião de
conversão de adultos, de construção de identidades
tanto psicológicas como sociais. Isso é fundamental.
Na medida em que o cristianismo perde o poder
temporal, o pentecostalismo se revela como um
campo por excelência da apropriação de si mesmo
por parte do indivíduo. Uma religião do gesto, do
corpo, um cristianismo que renasce de baixo.
O pentecostalismo dá a voz direta ao homem "simples" convertido, um acesso direto à linguagem de
Deus, revela uma democracia da expressão. Se a teologia da libertação era uma teologia "para os pobres", o pentecostalismo é uma teologia "dos pobres". É claro que isso é ambivalente, tudo em religião é ambivalente. Um erro típico é supor os desdobramentos das religiões como sendo necessariamente produtores de alienação nos indivíduos: às
vezes um fenômeno específico pode operar como
agente de auto-alienação e às vezes pode ser exatamente o oposto, e uma religião pode ser um profundo operador de autolibertação. Retoma-se a posse
da própria vida: o indivíduo pára de beber, passa a
trabalhar, reconstrói a vida familiar, toma decisões-limite, é evidente que há aí um processo de apropriação de si mesmo. Existem desdobramentos interessantes do ponto de vista político...
O senhor fala do fenômeno "Benedita", no Rio?
Essa mulher é extraordinária. É bobagem concluir
que pentecostalismo implica necessariamente conservadorismo político. Religiões são imprevisíveis.
É comum em ciências da religião a discussão epistemológica acerca do chamado "ateísmo metodológico". Na sua
opinião, seria consistente a posição segundo a qual
"cientistas da religião religiosos" só "fariam ruídos" e seriam incapazes de produzir "ciência"? Haveria um "contágio cognitivo" insuperável no fato de ser religioso?
Todo estudo científico pressupõe uma ruptura com
o discurso auto-interpretativo do "crente", mas não
concordo que um ateu (ainda que "apenas" metodológico) "faça" melhor as ciências da religião.
Não seria um exemplo de discurso auto-interpretativo,
do tipo ao qual o senhor se refere, uma antropóloga fazer
"antropologia feminista" ou um gay fazer "antropologia
dos gêneros"? Não é o "ateísmo metodológico" uma exigência feita às ciências da religião que não é feita às demais ciências humanas "militantes"?
Atitudes que são permitidas aos demais cientistas
sociais parecem ser proibidas aos que se dedicam ao
estudo da religião, e isso é tendencioso. E concordo
que militâncias de qualquer tipo podem vir a ser discursos auto-interpretativos danosos à prática científica, mas não acho que a experiência religiosa seja
necessariamente danosa, e sim o contrário: a experiência do descentramento do eixo de sentido do eu
e do mundo, à qual se refere Mircea Eliade, típica da
pessoa religiosa, é fundamental para um cientista
compreender o que se passa na religião. Não ter essa
experiência pode se tornar um importante limite intelectual para compreender o sistema simbólico de
sentido em jogo numa religião específica. O cientista
pode perder o foco da consistência própria da religião e não ver nela nada além de um fenômeno social qualquer, no qual sua lógica intrínseca específica
se dissolve nos reducionismos sociais ou econômicos. É evidente que não se trata de fazer ciência confessional. O estudo científico só pode ser construído
por pluralidade e discordâncias, no diálogo se produz conhecimento, é uma experiência dialógica...
O senhor concorda com Sócrates, Dostoiésvki e Bakhtin...
É claro. Conhecimento é plural. A modernidade em
que vivemos, na qual os mitos de desmitificação (como o mito do progresso e da técnica, por exemplo)
foram eles mesmos desmitificados, em que os esquemas de desencantamento do mundo foram eles
mesmos desencantados, a chamada "pós-modernidade" -esse relativismo autodestrutivo-, se constitui num cenário interessante para perceber como
esses gigantescos sistemas produtores de sentido
que são as religiões agirão e como o Estado e a sociedade pluralista reagirão a atuação dos agentes de
sentido que são os indivíduos religiosos. Diria inclusive que não penso que ainda esteja na agenda a
guerra contra a tutela religiosa. Esse esquema é datado. O trabalho de desconstrução está em curso avançado, agora se trata de ver como as religiões vão operar como agente reestruturante na sociedade radicalmente secularizada (no sentido de reconstruir as
identidades individuais e coletivas dissolvidas), em
um espaço onde elas não detêm o poder político e se
em algum momento elas voltarão a se relacionar diretamente com esse poder político. Só existe o "cientista religioso", compreendido como o indivíduo "de
fé e acrítico", na cabeça do não-religioso mal-informado: todo indivíduo religioso inteligente é trabalhado pela dúvida. Esse "crente" é um fantasma da
cabeça do "não-crente"...
Mudando um pouco de assunto, o que o senhor pensa da
obra do pensador francês Edgar Morin, que tem tido uma
boa repercussão nas ciências sociais no Brasil?
Morin é um "outsider" na vida acadêmica francesa.
Ele teve no início uma obra de teor empírico de valor, mas posteriormente se carregou demais em abstrações que se distanciam da realidade dos problemas científicos. É superior a outros "outsiders" da
vida acadêmica francesa que têm grande penetração
aqui, como Michel Maffesoli, que, acho, abusa de esquemas duvidosos quanto ao conteúdo.
Luiz Felipe Pondé é professor do programa de pós-graduação em
ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica (SP) e da Fundação Armando Álvares Penteado.
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