São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007

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Os anos dourados de Ziggy

Bowie começou inspirando uma geração; hoje, é um dos poucos veteranos afiados

ANDY GILL

Não é novidade um astro do rock fazer 60 anos. O notável sobre David Bowie é que ele atingiu esse marco na ativa: ao contrário da maioria de seus contemporâneos, não cogitou se aposentar nem deixou de lançar álbuns da vanguarda popular. A maioria dos roqueiros bem-sucedidos se retira para casas de campo e resmunga sobre os jovens arruaceiros que os suplantam no afeto público.
Os afortunados cuja lenda se enraíza suficientemente se ocupam com apresentações periódicas de glórias passadas. Mas é difícil pensar em mais que um punhado de roqueiros sexagenários que se tenham mantido aguçados artisticamente ao longo da carreira. É uma elite que inclui Bob Dylan, evidentemente, e o trio de trovadores coadjuvantes formado por Neil Young, Leonard Cohen e Van Morrison. Mesmo gênios como Stevie Wonder e Brian Wilson passaram por longos hiatos de depressão criativa nas décadas recentes.
A razão mais mencionada para explicar a longevidade criativa de Bowie é sua capacidade de mudar de figura, matando personagens adorados como Ziggy Stardust e Alladin Sane, e levar sua carreira a novos rumos -estratégia imitada por Madonna com diferença menor no produto resultante. Esse fator bastaria apenas para estender o apelo de Bowie até meados dos anos 80. De lá para cá, ele adotou uma persona única e passou a vestir o terno ditado aos homens de certa idade. O afeto que ainda lhe é reservado tem origem mais profunda do que roupas.
O apelo de Bowie provavelmente tem mais a ver com o impacto de suas primeiras obras. Ele mudou vidas: seu jeito de pavão criou um modelo para pessoas mais fantasiosas, e a ruptura com as convenções ajudou gays a sair do armário. Mas Bowie ainda revelou inteligência suficiente para combinar a superfície burlesca de seus personagens a um trabalho substancioso e provocador. As trocas de papel trouxeram metalinguagem ao rock. Depois de Ziggy Stardust, tornou-se quase impossível ouvir rock sem perceber relação entre astro e fãs e outros artifícios subjacentes. Ilusões que sustentavam parcela do pop e do rock foram demolidas. Foi o fator mais importante para se desenvolver o punk.
Foi durante a era punk que ele gravou três álbuns sobre os quais boa parte de sua reputação repousa -"Station to Station", "Low" e "Heroes", o equivalente, na carreira de Bowie, à trilogia elétrica de Dylan: picos diante dos quais qualquer obra subseqüente será julgada.
Bowie se tornou o barômetro cultural, alimentando-se de conceitos culturais da vanguarda da era, da alienação ao vídeo, passando pelo rock eletrônico alemão, transformando-os em pop lucrativo de quilate elevado. Os discos eram o som de um futuro em construção, e vivemos até hoje naquele futuro.


Este texto foi publicado no "Independent". Tradução de Paulo Migliacci .


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