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Simonal 3.540/72
PROCESSO A QUE A FOLHA TEVE ACESSO EXPLICITA COLABORAÇÃO ENTRE CANTOR E O DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL; EM VIDA, ARTISTA DESMENTIA VÍNCULO COM ÓRGÃOS DE SEGURANÇA
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out.1974/Reprodução
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O artista em 1974
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Wilson Simonal
de Castro, um
dos mais talentosos cantores do Brasil
em todos os tempos, declarou
formalmente em 1971 que era
informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), a polícia política do antigo
Estado da Guanabara.
Seu depoimento na polícia
foi avalizado reiteradamente
em processo judicial por seu
advogado Antonio Evaristo de
Moraes Filho.
A declaração de Simonal e a
confirmação de Evaristo nunca
foram divulgadas -conhecem-se apenas as manifestações de
proximidade do artista com o
Dops, mas em público ele negava ter sido informante.
A Folha teve acesso ao processo 3.540/72, do qual consta
o depoimento em que Simonal
reconhece seus serviços.
Ele foi processado sob acusação de ser o mentor de uma
sessão de tortura -em dependências do Dops- para obter
confissão de desfalque de Raphael Viviani, ex-funcionário
de sua firma.
Relatório confidencial do
Dops, anexado aos autos e ainda hoje inédito, explicitou a ligação -reafirmada por um
agente do órgão, Mário Borges,
em interrogatório na Justiça.
Testemunha de defesa do artista, o tenente-coronel do
Exército Expedito de Souza
Pereira descreveu-o como "colaborador das Forças Armadas". Foi Simonal (1938-2000)
quem se disse "colaborador dos
órgãos de informação", sublinharam Viviani e seu advogado, Jorge Alberto Romeiro Jr.
O Ministério Público, representado pelo atual deputado
Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), apontou o intérprete como "colaborador das Forças
Armadas e informante do
Dops". Sentença proferida pelo
juiz João de Deus Lacerda
Menna Barreto concordou.
Acórdão (decisão de corte
superior) do TJ-RJ (Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro), assinado em 1976 pelos desembargadores Moacyr
Braga Land e Wellington Pimentel, referendou: Simonal
era "colaborador das autoridades na repressão à subversão".
Foi a palavra final da Justiça.
Todos esses documentos integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª Vara
Criminal, concluído em 1976 e
em cujas 655 folhas jamais
houve divergência: dos amigos
mais fiéis ao antagonista mais
ressentido, todos estiveram de
acordo que Simonal -e ele assentia- era informante do
Dops.
Em abril, a Folha pediu ao
TJ para ler os papéis. Localizados em junho, eles foram consultados pelo jornal na íntegra.
A história que eles descortinam vai na contramão de versões que rejeitam a relação do
cantor com o aparato de segurança da ditadura militar
(1964-85).
Entrevistas com sobreviventes da época e pesquisa em periódicos jogam luz no episódio.
Em 2000, a Folha publicou
reportagem com base na sentença de 11 páginas, encontrada
no Arquivo Público do Estado
do RJ, que guarda o acervo do
Dops.
Contudo, não achou cópia do
conjunto do processo nem do
informe interno acerca de Simonal, da declaração em que
ele se afirmou colaborador ou
de lista de eventuais pessoas
delatadas por ele.
Desde a década de 1930 havia
informantes da polícia política
nos meios culturais do Rio.
Eles não costumavam ser identificados nominalmente em relatórios, como se constata no
Arquivo do RJ.
Tortura
A controvérsia sobre as conexões do cantor ressurgiu com
vigor devido ao documentário
"Simonal - Ninguém Sabe o
Duro Que Dei", de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito
Leal.
O filme narra da ascensão ao
estrelato à morte no ostracismo, determinada pela imagem
de "dedo-duro" -função que
no fim da vida Simonal contestava ter desempenhado. Ele se
dizia alvo de mentira inventada
por inimigos, de racismo e de
perseguição da esquerda.
O cantor não foi julgado pela
colaboração com a ditadura,
mas por ter levado Viviani para
a sede do Dops, na rua da Relação, região central do Rio.
Simonal foi ao departamento
e emprestou seu carro aos policiais, que buscaram Viviani em
casa quase à meia-noite de 24
de agosto de 1971, passaram pelo escritório do artista e terminaram na rua da Relação.
Lá torturaram Viviani com
choques elétricos, socos e pontapés até ele assumir por escrito o desvio.
Simonal estava no Dops, para
onde ajudou a transportar
-desde seu escritório, em Copacabana- o ex-chefe de escritório da Simonal Comunicações Artísticas.
Ele não participou da tortura
nem a testemunhou.
Um inquérito foi instaurado
na 13ª DP porque a mulher do
funcionário registrou o desaparecimento.
Foram condenados o cantor,
um policial do Dops, Hugo Corrêa de Mattos, e um colaborador do órgão, Sérgio de Andrada Guedes. Em 1974, por crime
de extorsão, a pena de cinco
anos e quatro meses de reclusão. Em 1976, depois da desclassificação do crime para
constrangimento ilegal, a três
meses. Simonal passou nove
dias detido. Os três negaram as
acusações.
"Subversivos"
Relatos jornalísticos recentes sustentam que foi o inspetor Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do
Dops e notório torturador de
presos políticos, a fonte original da classificação de Simonal
como informante.
Na 23ª Vara, Borges disse
que o cantor "era informante
do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre
atividades de elementos subversivos".
Não citou a identidade dos
"elementos". O interrogatório
do policial ocorreu em 16 de novembro de 1972.
Acontece que, 450 dias antes,
Simonal já prestara declarações no Dops que foram anexadas ao processo e não chegaram
ao noticiário.
Às 15h de 24 de agosto de
1971, perto de nove horas antes
da diligência contra Viviani, Simonal afirmou ter ido à rua da
Relação "visto aqui cooperar
com informações que levaram
esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no
meio artístico". Também não
nomeou os "movimentos".
Ou seja, o primeiro a sustentar que Simonal era informante
foi ele mesmo, e antes da ação
da polícia. Na ocasião, o cantor
lembrou que no golpe de Estado de 1964 esteve no Dops "oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos" -outro denunciado por
sevícias contra opositores.
Simonal assinalou que se
aproximou ainda mais do Dops
quando pediu e obteve proteção contra uma ameaça de explosão de bombas em um show.
Em 1971, ele se queixou de
um "grupo subversivo" que
prometia sequestrá-lo se não
"arrumasse" dinheiro.
A voz anônima parecia, ele
disse, a de Viviani.
Na 13ª DP, o cantor depôs em
28 de agosto. Apresentou-se
como "homem de direita" e relembrou ter dito no Dops (no
dia 24) que conhecia, "como da
área subversiva", "uma irmã do
senhor Carlito Maia" -era a
produtora cultural Dulce Maia,
ex-presa política e àquela altura exilada.
Esse depoimento vazou à imprensa, mas nele Wilson Simonal calou, nem lhe perguntaram, sobre a atuação como informante.
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