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Caça ao tesouro
"Os Deuses de Freud" analisa a coleção
de 2.000
peças da Antigüidade que o psicanalista vienense reuniu ao longo da vida
BRENDA MADDOX
Sigmund Freud era
econômico com os insights sobre sua própria psique e não oferecia nenhuma explicação sobre seu hábito compulsivo de colecionar antigüidades, exceto por descrever-se
como arqueólogo da mente.
Ele descrevia seu trabalho
como um trazer à tona aquilo
que estivera enterrado por
muito tempo. A foto dele diante de sua escrivaninha repleta
de pequenas estatuetas, jarras
e esculturas é quase tão conhecida quanto a imagem de seu
divã, que virou ícone.
A australiana Janine Burke,
especializada em história da
arte, escreveu um livro ["The
Gods of Freud - Sigmund
Freud's Art Collection", Os
Deuses de Freud - A Coleção de
Arte de Sigmund Freud, Knopf
Australia, 455 págs., 49,95 dólares australianos, R$ 80,22]
que precisava ser escrito.
Nele, detalha a história e a
importância das 2.000 peças
colecionadas por Freud ao longo de décadas. Muitas delas estão expostas hoje no Museu
Freud na rua Maresfield Gardens, 20, em Hampstead [em
Londres], onde o consultório e
a sala de estudos de Freud em
Viena foram remontados praticamente como eram quando
Freud fugiu de lá, em junho de
1938.
De acordo com Burke, a capa
do célebre divã é um tapete iraniano qashqai tecido em tons
quentes de vermelho e ocre,
formando um desenho geométrico complexo que mostra um
jardim no paraíso. Freud comprou a peça em 1891 numa exposição no Museu imperial do
Comércio Austríaco.
Em seu consultório em Viena, na rua Berggasse, 19, sentado atrás de seus pacientes, ouvindo as livres associações que
faziam, seus olhos ficavam livres para vagar. "Preciso sempre ter um objeto para amar",
ele disse a Jung antes do rompimento entre eles, em 1912.
A maioria dos objetos que
Freud colecionou não é de
grande valor em si, exceto para
os historiadores da arte clássica. O que Janine Burke revela é
a compulsão absoluta de Freud
por adquirir objetos diversos
das antigüidades grega, romana e egípcia; ele tinha em grande estima, especialmente, as
representações da Esfinge.
A arte moderna não lhe interessava, nem mesmo os impressionistas.
Arteterapia
Sua terapia consistia em sair
à compra de seus tesouros. Nenhuma viagem -especialmente se fosse à sua amada Roma-
era completa sem a aquisição
de um pequeno troféu da Antigüidade. Em Nova York, em
1909, durante sua única viagem
aos EUA, Freud não apenas visitou a coleção de vasos gregos
do Metropolitan como foi às
compras na Tiffany's, de onde
levou uma tigela de jade e um
busto de bronze de Buda.
Com o passar dos anos, mal
conseguia levantar-se de trás
de sua escrivaninha, tão apertado ficara o espaço devido à profusão de objetos, que ele rearrumava constantemente. Mesmo quando deixava Viena para
passar algum tempo em suas
casas de veraneio, levava a
maior parte da coleção com ele.
Mas que efeito aquela coleção enorme de minúsculos objetos escavados exercia sobre
os pacientes, enquanto eram
conduzidos diante dela, com
Freud explicando um ou dois
deles a caminho do divã? Uma
explicação foi dada pela escritora e poeta Hilda Doolittle,
"H.D.", que foi analisada por
Freud em 1933.
"Eu não esperara me deparar
com um museu, um templo",
ela escreveu mais tarde, sugerindo que Freud mostrava a coleção como maneira de induzir
seus pacientes a relaxar. Em
sua primeira consulta, ela
olhou tão intensamente que
Freud fez uma interpretação
instantânea: que ela preferia
"os resquícios mortos da Antigüidade a sua presença viva".
Quando Freud estava prestes
a deixar Viena, em 1938, um
amigo convocou o fotógrafo
Edmund Engelman para ir à
Berggasse, 19, e fotografar a coleção, o consultório e Freud
sentado diante de sua escrivaninha. As fotos sobreviveram
para dar às gerações posteriores uma idéia de como era o
consultório de Freud.
Freud começou a colecionar
na época em que estava escrevendo "A Interpretação dos Sonhos", no período que se seguiu
à morte de seu pai, em 1896,
acontecimento que o fez sentir-se desarraigado. Em sua infância, ele nutrira uma adoração
ardente por figuras heróicas,
desde Alexandre, o Grande, até
Napoleão.
Como adulto, na visão de
Burke, ele precisava cercar-se
de imagens de grandeza masculina para sentir-se inspirado e
encorajado. Ao todo, diz a autora, a coleção parece encarnar as
teorias que ele estava desenvolvendo: uma investigação e celebração do passado, uma recordação de jornadas reais e imaginadas e um catálogo de desejos.
As estátuas e esculturas escolhidas por Freud também expressam sua ambivalência em
relação às mulheres: deusas para serem adoradas, mas mantidas passivas -como sua atitude
em relação a sua mãe, Amalia, e
a sua mulher, Martha.
Sua peça favorita na coleção
era uma pequena estátua em
bronze de Atena, uma cópia romana de um bronze grego do
século 5º. "Ela é perfeita", disse
Freud a H.D., "só que perdeu
sua lança". A Atena agora ocupa
o lugar central na escrivaninha
no Museu Freud.
Burke relata muito bem a
história fascinante da fuga de
Freud de Viena, em 1938, com
muitas pessoas de sua família,
além de seu médico e da família
do médico, organizada pela Dr.
Ernest Jones, em Londres, e
pela princesa Maria Bonaparte,
em Paris.
Avaliação baixa
Ela descreve com detalhes as
negociações exaustivas e difíceis com os nazistas, que exigiam uma avaliação de todos os
bens tributáveis antes que alguém pudesse partir.
Felizmente, para Freud, o
homem escolhido para avaliar
sua coleção e fornecer a declaração de "sem impedimentos"
foi Hans von Demel, curador e
amigo pessoal de Freud.
Demel avaliou a coleção em
500 "Reichsmarks", muito
abaixo de seu valor real e muito
abaixo do limite permitido para
refugiados sem o pagamento de
impostos, com isso possibilitando que Freud a levasse a
Londres com ele.
Para atenuar ainda mais o
golpe do exílio forçado, a curadora vienense de Freud, Paula
Fischl, que tinha memorizado a
ordem das obras principais sobre a mesa de Freud em Viena,
organizou os objetos exatamente como ficavam em Viena
-uma visão bem-vinda para
saudar Freud, já adoentado,
quando ele entrou em sua casa
em Maresfield Gardens.
Considerava essa casa a mais
agradável que já tivera, e seus
últimos meses de vida foram
passados num sofá de balanço
no jardim, de onde podia ver
seus amados objetos. Quando
morreu, em setembro de 1939,
suas cinzas foram colocadas
numa urna grega com figuras
vermelhas do século 4º a.C. que
lhe fora presenteada pela princesa Marie Bonaparte.
A íntegra deste texto foi publicada no "Times Literay Supplement".
Tradução de Clara Allain . .
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site www.dymocks.com.au
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