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POLÍTICA
Processo judicial da carta-bomba enviada à OAB em 1980 prescreve em nove meses
Explosões escorregam para a história
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
A série é bastante longa. Começou em 19 de agosto de 1976, com
a explosão, no Rio, de uma bomba na sede da ABI (Associação
Brasileira de Imprensa) e, 34 dias
depois, com o sequestro de d.
Adriano Hipólito, então bispo de
Nova Iguaçu (RJ). Terminaria
apenas na noite de 30 de abril de
1981, com outra bomba, a do Riocentro, que mataria o sargento
Guilherme do Rosário e feriria o
capitão Wilson Luís Chaves Machado, dois integrantes do DOI
(Destacamento de Operações de
Informações), um dos braços
operacionais do regime militar.
Rosário, cognominado "agente
Wagner" na chamada comunidade de informações, poderia supostamente interromper com o
explosivo um show em que 9.700
pessoas comemoravam o Dia do
Trabalho. Ele não foi a única vítima do terrorismo da extrema direita, que procurava forçar o governo, sobretudo o do presidente
João Batista Figueiredo (1979-1985), a deter o processo de retorno ao Estado de Direito.
Em 27 de agosto de 1980, também no Rio, uma carta-bomba
explodiria na sede do Conselho
Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), matando a secretária Lyda Monteiro da Silva.
Há um curioso paradoxo nesse
pedaço da recente história do Brasil. A coligação de correntes então
favoráveis à democracia montou
com naturalidade uma espécie de
mutirão em que a mídia, partidos
políticos, o Judiciário e parcela
majoritária das Forças Armadas
isolaram os extremistas e neutralizaram seus propósitos. Mas o
mesmo esforço fracassou na punição dos culpados.
Com, por enquanto, uma exceção tardia: inquérito sobre o Riocentro, reaberto neste ano, permitiu o indiciamento do general
Newton Araújo de Oliveira Cruz,
na época chefe da agência central
do SNI (Serviço Nacional de Informações), e do hoje coronel
Wilson Machado, que passa de vítima a réu naquele episódio. Novas investigações, determinadas
pelo procurador-geral da Justiça
Militar, Kleber Coêlho, têm entre
seus objetivos apurar a responsabilidade do general Octávio Medeiros, então ministro-chefe do
SNI. Ele, tanto quanto Newton
Cruz, disse em depoimento ter sido antecipadamente informado
sobre a bomba do Riocentro, nada fazendo para desativá-la.
Outra exceção pode estar no
atentado da OAB. O Ministério
Público Federal determinou a recente reabertura do inquérito, entregue, no Rio, ao subprocurador
Maurício Manso, que no entanto
sai da estaca zero. Não possui como ponto de partida uma primeira investigação, mesmo se mais
destinada a ocultar do que a esclarecer, como aquela sobre o Riocentro, chefiada em 1981 pelo coronel Job Lorena de Sant'Anna.
Os dois episódios, OAB e Riocentro, estão interligados pelas
mesmas redes de cumplicidade
entre pessoas envolvidas e de interesses para proteger os culpados. Homicídios prescrevem em
20 anos. Em nove meses o grupo
que fabricou e entregou a carta-bomba que matou Lyda Monteiro
não poderá mais ser legalmente
punido. Em abril de 2001, estará
prescrito o caso Riocentro.
Mas são fatos que têm parte de
seus protagonistas ainda vivos. A
Folha conversou com alguns deles. As informações que forneceram não identificam todas as peças do quebra-cabeça. Mas reforçam a impressão de que um jogo
de dissimulação ainda está montado para manter a impunidade.
Vejamos o Riocentro. Em entrevista em abril último a "O Globo",
Newton Cruz indicou como mentor do atentado um oficial que
deixara havia pouco o DOI. Não
forneceu o nome dele, mas disse
que ele morreria pouco depois. O
IPM concluído em outubro pelo
general Sérgio Conforto diz se tratar do major Freddie Perdigão.
Sua real identidade era protegida
pelo cognome Aloisio Reis.
Perdigão aparece no livro "Direita Explosiva no Brasil" (1996),
uma das poucas referências bibliográficas sobre o período, como frequentador de encontros
clandestinos da direita paramilitar na casa do civil Hilário José
Corrales, que morreu de enfisema
pulmonar em 1982. Corrales, cuja
participação nesse e em outros
atentados foi revelada por seu irmão, Gilberto, em depoimento
aos autores do livro, era marceneiro e pequeno empresário, especialista em explosivos e integrante, já antes de 1964, de grupos
capazes de tudo para "lutar contra o comunismo".
Ele teria sido o autor da bomba
que matou o sargento Rosário.
Dentro do Puma -um automóvel esportivo, então na moda-
foram retiradas duas outras bombas que não chegaram a explodir.
Elas se assemelhavam a pequenos
cilindros caseiros, do tamanho de
um copo, segundo depoimento
do tenente Cézar Wachulec, que,
quando do primeiro IPM, negara
a presença de outros artefatos.
A antiga questão está no entanto em saber o que o explosivo fazia no banco de passageiro do automóvel, no colo de Rosário.
Há duas hipóteses. A primeira é
a de que ambos desejavam interromper com a bomba o show do
Primeiro de Maio, promovido
por entidades de esquerda. A segunda é a de que a explosão não
foi acidental porque Rosário morreu, mas sim na medida em que
Rosário foi o único morto. A morte também do capitão Wilson diluiria o fio das responsabilidades,
abriria crise na área militar e permitiria que a oposição ao regime
fosse responsabilizada.
Além de Medeiros e Cruz há outros oficiais, cujos nomes foram
mencionados no IPM e que teriam certamente como confirmar
uma ou outra hipótese. O primeiro é o hoje general da reserva Nilton Cerqueira, ex-chefe do SNI
em Recife, na época comandante
da PM fluminense. Ele determinou a seu Centro de Operações a
substituição do policiamento que
o 18º Batalhão faria ao local. Seu
superior era o secretário da Segurança Pública e general, já morto,
Waldyr Muniz, outro homem de
confiança do general Medeiros e
ex-chefe do SNI no Rio. Era, aliás,
o posto que ele ocupava quando
da carta-bomba à OAB.
O tenente da reserva Cézar Wachulec, interrogado pelo procurador Kleber Coêlho, disse que as
portas do Riocentro foram fechadas a cadeado tão logo iniciado o
show. Um blecaute ou uma bomba no ambiente ocupado pela
massa compacta de pessoas geraria inevitável pânico e pisoteamento. Não se sabe de quem partiu a ordem do fechamento.
Não é tampouco claro o papel
do coronel Júlio Miguel Molinas
Dias, então comandante do DOI.
Ele declarou em depoimento que
a ordem para que seus homens fizessem uma "cobertura" (coleta
de informações, no jargão interno) do Riocentro partiu do chefe
da Segunda Seção do Estado-Maior do Primeiro Exército (hoje
Comando Militar do Leste), então
coronel Leo Frederico Cinelli, cujo paradeiro na noite do atentado
está envolto no mais absoluto
mistério.
Cinelli e Molinas eram próximos do general Coelho Neto, que
foi para a reserva sem ser promovido por Figueiredo ao posto de
general de Exército.
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