São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

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O racismo do 3º Reich em letra de fôrma

Para Mengele, miscigenação provocaria ruína dos EUA

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Até o final da vida, o médico Josef Mengele defendeu teses como a superioridade dos arianos e os malefícios supostamente causados pela miscigenação, além de questionar a capacidade intelectual dos judeus.
Segundo Mengele, a raça teria papel preponderante na definição da capacidade intelectual dos indivíduos. Essa opinião, um dos pilares teóricos do Terceiro Reich, está fartamente reproduzida em manuscritos e documentos datilografados por máquinas achadas pela PF entre os pertences do médico.
Em um manuscrito em tinta azul e sem data, Mengele comenta a teoria darwinista e as diferenças entre macacos e seres humanos. O médico alemão afirma que a capacidade intelectual não é igual em todos os homens, mas varia de acordo com a raça. A leitura do documento revela que Mengele acreditava na superioridade das raças nórdicas européias -especialmente da ariana.
Um texto datilografado em uma das duas máquinas que pertenceriam a Mengele, provavelmente de 1973, desenvolve essa idéia sobre a superioridade de algumas raças em relação a outras. Em meio a diversas referências técnicas (como costumava fazer em seus escritos), o documento menciona a doutrina de Joseph Arthur, conde de Gobineau (1816-1882), um dos principais teóricos do racismo. De acordo com Mengele, "que as raças e os povos são diferentes entre si, é fato comprovado (...). Nisso não há qualquer juízo de valor".
Logo a seguir, o autor afirma que, tendo como medida o nível cultural, "nem todas as raças conseguiram a mesma posição cultural, o que nos força a concluir que nem todos os povos têm o mesmo dom criativo. Na raça nórdica, isso pode ser constatado de forma clara [...]. Basta tomar as figuras mais importantes da história ocidental e analisar suas características raciais".
O texto condena veementemente a miscigenação e sugere que essa prática poderia levar à derrocada dos Estados Unidos. Há também um elogio ao apartheid adotado na África do Sul (que foi eliminado em 1994), apresentado como única forma de convivência possível para a preservação das raças intelectualmente "acima da média".

Judeus e "hospedeiros"
Datilografado em uma máquina da marca Zephir-Smith-Corona, o texto de oito páginas, com correções feitas em caneta azul, traz comentários específicos sobre a origem e sobre a capacidade intelectual do povo judeu.
Afirma que os judeus nasceram de uma mistura entre raças da Ásia Menor e do Oriente, "mas, ao longo de sua migração de milhares de anos, receberam elementos de raças européias e negróides".
Segundo Mengele, isso explicava a "indiscutível" produção cultural do povo judeu, como mostra a seguinte afirmação: "Pode-se perceber facilmente que seus representantes de intelectualidade acima da média sempre, e sem exceção, viviam com povos que tinham um alto nível cultural. Isso vale para Moisés (Egito), Einstein (Suábia), [...] Spinoza (Holanda-Espanha), Mendelssohn (Alemanha), [...] Mahler (Alemanha) [...]. Parece que o componente do povo hospedeiro desempenhou papel decisivo. Desses, parece que o alemão foi o mais efetivo".
Em um conjunto de 13 páginas com registros manuscritos em dias diferentes do ano de 1976, Mengele chega a dizer que intelectuais de ascendência judaica, como Freud e Einstein, desenvolveram idéias meramente "especulativas".

Prêmio Nobel
O interesse de Josef Mengele pela evolução das espécies também foi suprido pelas experiências do zoólogo austríaco Konrad Lorenz (1903 -1989), um dos pais da moderna etologia, ciência que se dedica ao estudo comparativo do comportamento humano e animal e da qual Darwin foi um dos precursores.
Existe a possibilidade de Mengele e Lorentz terem se conhecido, já que o zoólogo esteve nos quadros do partido nazista no início da década de 40. Entre os 94 livros apreendidos pela Polícia Federal em 1985, há cinco escritos por Lorenz, além de um recorte de reportagem publicada na Folha no dia 12 de outubro de 1973, que noticia a vitória do austríaco na disputa pelo Prêmio Nobel de medicina daquele ano. (AM e AF)


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