São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003 |
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+ mídia O norte-americano Bill Kovach, co-autor de "Os Elementos do Jornalismo", que acaba de sair no Brasil, critica o uso indiscriminado de fontes anônimas por repórteres e diz que o "caso Jayson Blair" só veio à tona porque os padrões éticos dos jornais estão hoje mais elevados OS LIMITES DO JORNALISMO DE ESTRELAS
Renata Lo Prete
O uso de fontes de informação não identificadas, uma das questões suscitadas pelo escândalo que derrubou o editor-executivo do
"New York Times", deveria ser limitado a casos de grande relevância e difícil apuração, e não banalizado no dia-a-dia do jornalismo.
Quem opina é o norte-americano Bill Kovach, autor,
com Tom Rosenstiel, de um livro sobre os valores e o estágio atual da profissão recém-lançado no Brasil ("Os
Elementos do Jornalismo - O Que os Jornalistas Devem
Saber e o Público Exigir", Geração Editorial).
Além de defender que fontes anônimas sejam utilizadas
com menos frequência, Kovach é partidário de uma regra capaz de deixar muitos repórteres de cabelos em pé.
"Quando fui editor, eu tinha de conhecer a identidade
de toda e qualquer fonte das reportagens para tomar a
decisão final sobre se ela seria ou não usada", disse ele
em conversa com o Mais! por e-mail. "Para mim o repórter tinha de revelar. É um cuidado indispensável."
Tal cuidado, acredita Kovach, teria evitado que Jayson
Blair publicasse, no "New York Times", tantas reportagens inteiramente baseadas em fontes anônimas que jamais existiram. Foram inventadas pelo repórter, também pródigo em plagiar textos de outros jornais.
Kovach, 69, preside o Comitê dos Jornalistas Interessados (Commitee of Concerned Journalists), organização
dedicada a estudar e aperfeiçoar os padrões da profissão. Na década passada, foi curador do programa de
jornalismo da Fundação Nieman, em Harvard.
Dirigiu a Redação do "Atlanta Constitution" e, antes
disso, trabalhou por 18 anos no "New York Times". Como editor da sucursal de Washington, foi responsável
pela primeira promoção de Howell Raines, o editor-executivo degolado pela revelação quase simultânea
dos casos de Blair e de Richard Bragg, repórter que utilizava, sem dar crédito, o trabalho de free-lancers contratados por ele mesmo.
Bill Kovach se lembra de Raines como um "repórter político de primeira classe", dono de "texto excelente e
enorme capacidade de analisar o noticiário". Apesar
dos elogios, avalia que o temperamento autoritário de
Raines contribuiu para sua queda. "A Redação estava
muito descontente e se voltou contra ele na primeira
oportunidade."
Nota-se que, cada vez mais, as estrelas da profissão não são os repórteres encarregados do chamado "hard news", da pura notícia, e sim os que se dedicam a histórias "coloridas". Por que isso acontece? Em primeiro lugar, quero dizer que discordo do sistema de badalação de estrelas promovido por Howell Raines no "New York Times". Os melhores repórteres sabem cuidar de si mesmos. O que define um grande editor é a capacidade de extrair o máximo de talento de uma equipe pouco talentosa. A importância crescente dos repórteres encarregados de "features" está relacionada aos esforços para atrair novos e jovens leitores com um texto diferenciado e boa capacidade narrativa de não-ficção. O desafio é assegurar que o repórter não permita que as exigências desse tipo de texto distorçam os fatos para adequá-los à própria narrativa. O uso de fontes anônimas, discutido em seu livro, é um tema levantado pelo caso Blair. O senhor acredita que esse recurso seja inevitável no processo de apuração de notícias? Sim, mas de maneira limitada. Acredito que, no caso de algumas coberturas muito importantes e de difícil apuração, como o Watergate [que derrubou o presidente Richard Nixon] ou o Irã-Contras [venda de armas ao Irã para financiar ajuda aos "contras" da Nicarágua durante o governo de Ronald Reagan], as fontes anônimas sejam essenciais. Se é assim, como evitar que esse recurso seja usado para servir aos interesses da fonte ou para publicar ficção no lugar de notícia? Quando fui editor, impus uma regra. Eu tinha de conhecer a identidade de toda e qualquer fonte para tomar a decisão final sobre se ela seria ou não usada. Para mim o repórter tinha de revelar. Acredito que esse é um cuidado indispensável quando se recorre a fontes anônimas. Um dos colunistas do "Washington Post", jornal que explorou bastante o caso Blair, escreveu que a arrogância é um mal crônico do jornalismo e que o "New York Times" é o líder em arrogância. O sr. concorda? Acredito que a arrogância seja um mal crônico do jornalismo, mas penso que ela afeta indivíduos em todos os jornais, e não uma Redação especificamente. Vozes conservadoras do jornalismo norte-americano, como o "Wall Street Journal", apontam o caso Blair como sintoma de um mal maior na gestão Raines no "New York Times", que teria sido marcada por um direcionamento do noticiário à esquerda do espectro político. Discordo com veemência. Quem diz isso -o "Journal"- é um veículo hiperconservador, que enxerga tudo sob esse prisma político. Como editor da sucursal de Washington do "Times", o sr. foi o primeiro a promover Howell Raines. Poderia descrever as características dele como jornalista? Ele era um repórter político de primeira classe, tinha um texto excelente e enorme capacidade de analisar o noticiário. Dizem os críticos que o temperamento autoritário de Raines alienou boa parte da Redação e foi, no final, a causa de sua queda. O sr. concorda? Sim. A Redação estava muito descontente e se voltou contra ele na primeira oportunidade. Como o sr. também foi editor-executivo, acredita quando dizem que é impossível dirigir uma Redação sem uma dose de autoritarismo? Sim, por duas razões. A primeira é a pressão do horário, inerente ao jornalismo diário. Deve existir alguém com autoridade inquestionável para, em determinado momento, encerrar as conversas e discussões e decidir o que vai ser publicado -e como vai ser publicado. Até essa hora, o editor-executivo deve ser um líder e um coordenador, mas, nesse momento, ele se torna, digamos assim, um ditador. A segunda é o zelo pela obediência a padrões éticos e a obrigação de aceitar a responsabilidade para proteger a credibilidade do noticiário. Texto Anterior: Contra Habermas e Fukuyama Próximo Texto: + livros: NACIONAL POR SUBTRAÇÃO Índice |
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