São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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Ponto de fuga

A alma das toneladas

A Exposição Universal de Paris de 1889 significou o triunfo dos engenheiros; os arquitetos tomaram conta da exposição seguinte e vingaram-se: o resultado maior foi o Grand Palais

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

A Exposição Universal de Paris que ocorreu em 1889 significou o triunfo dos engenheiros. Mostraram-se capazes de formidáveis proezas, construindo edifícios prodigiosos, dentre as quais a torre Eiffel.
Apavoraram-se os arquitetos com essa preponderância da engenharia. Sentiam que estavam perdendo terreno. Gritavam: "Arquitetura é arte e isso não é arte porque não é arquitetura". "Nós é que somos os artistas", berravam, "não esses técnicos de esqueletos metálicos". Tomaram conta da exposição seguinte, a de 1900, e vingaram-se.
O resultado maior foi o Grand Palais, que, como a célebre torre, sobreviveu até agora.
Devia apresentar uma "tecnologia avançada", como se diz hoje, para que os arquitetos demonstrassem serem também modernos. Mas precisava ostentar ornamentos, esculturas, colunas e capitéis, para garantir a presença da "arte".
Quatro arquitetos se reuniram. Conceberam um arcabouço magnífico em metal e vidro para uma nave imensa. Ele seria porém cinturado por um invólucro de pedra, ostentando uma larga colunata e uma quadriga no cocoruto. Era a "arte" escondendo a técnica, que se revelava só no interior. Maravilhoso ver como, para sustentar o balcão interno, certas estruturas metálicas enlaçam algumas colunas. A luz atravessa a formidável vidraça do alto. A sensação é aérea.

Homem de ferro
O escultor norte-americano Richard Serra instalou cinco imensas placas verticais de aço, com 17 metros de altura e 4 metros de largura, na nave do Grand Palais. Pesam 75 toneladas cada. São finíssimas e repousam sobre o solo sem que se perceba qualquer apoio. Permitem intuir espessura e peso, mas parecem se mover lentamente, porque cada uma inclina de leve seu eixo para a esquerda ou para a direita.
A obra chama-se "Promenade" (Passeio).
A abóbada do Grand Palais é uma gigantesca renda metálica que parece não pesar. Sob ela, as placas de Serra se oferecem como matéria e massa opacas, fixadas no chão, sugerindo oscilações misteriosas.

Flagrante
Menahem Pressler e Antonio Meneses juntaram-se para gravar a obra integral para piano e violoncelo de Beethoven (Clássicos Editorial). Um álbum que se inscreve na lista dos discos permanentes e essenciais.
A beleza se impõe com imediata evidência. Nas primeiras notas inicia-se a perfeita associação que não cessa. Comunhão de timbres e comunhão de espíritos: os sons brotam carregados de sensualidade larga, que sabe fazer-se também grave e meditativa.

Flúmen
A revista "Opéra Magazine", publicada em Paris, tem enorme autoridade entre o público da ópera no mundo inteiro. É muito bonita; todas as críticas, analíticas, severas, vêm acompanhadas de ilustrações expressivas.
O número de junho trouxe um dossiê de quatro páginas sobre o festival de Manaus.
Tom entusiasta: "A metrópole brasileira (Manaus) pôs todos os trunfos de seu lado para figurar entre os faróis culturais da América Latina". "Ficamos impressionados pela qualidade da orquestra (Amazonas Filarmônica), dirigida por Luiz Malheiro, cujas riqueza e plenitude das sonoridades nunca se exercem em detrimento das vozes."
O Festival de Manaus completou 12 anos: milagre de continuidade neste país que adora a palavra "evento" e tem dificuldades na persistência a longo prazo dos projetos culturais.
A "Opéra Magazine" confirmou o que, de fato, está ocorrendo hoje: o centro brasileiro do teatro lírico deslocou-se para a Amazônia.


jorgecoli@uol.com.br


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