São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

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SÃO PARKING

Tom Zé
ESPECIAL PARA A FOLHA

Já passei pelo processo em que um avião chegava a Congonhas e arremeteu. Fui parar em Viracopos [aeroporto a 99 quilômetros de São Paulo, em Campinas].
Houve casos de doer na alma, pelo desrespeito e abandono, durante esses meses de atrasos nos vôos. Já dormi em esteira no chão do aeroporto de Congonhas. A televisão foi gravar, mas não me pegou surpreso.
Sou amigo de três ou quatro lojistas nesse aeroporto. Tenho vários tipos de amizade. Sou como o americano ou o caipira: eu e minha banda chegamos bem adiantados.
Assim, vamos conversando com o pessoal das lojas -o fã paulistano é muito civilizado, cumprimenta sem atrapalhar, faz fotos com celular.

Poesia em concreto
Ter amizades, cultivá-las, ser naturalmente gregário acaba diminuindo o tédio e o cansaço.
Os paulistas gostam de reclamar mesmo quando não têm motivo -nordestinos vivem uma vida muito mais desesperada e não se queixam-, mas nesse caso têm um motivo justo para se queixar. E são solidários.
As obras que tanto aborrecem quem usa o aeroporto e quem mora nessa região podem acabar se tornando inspiração.
Fiz um show com o mesmo nome do estacionamento de lá: São Parking [em março passado, no Auditório Ibirapuera].
Primeiramente, é o caso de se perguntar: é uma homenagem à poesia concreta? Pois parece o título ou o texto de algum poema concreto.
Eles escrevem até em uma palavra só: Saoparking. Isso é lavrar a palavra, como na poesia concreta -Saoparking inclui o som de "São Paulo".
Nunca ouvi falar de que Augusto de Campos ou Décio Pignatari tivessem sido convidados para descerrar placas, portanto a inspiração foi mesmo da Concessionária do Estacionamento de Congonhas S.A.

Estacionamento geral
Essa idéia coincide com uma característica do próprio espírito da cidade de São Paulo, que sempre foi um estacionamento geral de todas as coisas do Brasil: além da poesia concreta, a Semana de 1922, a Revolução Constitucionalista, o grande parque industrial que fomentou o desenvolvimento econômico do Brasil, o tropicalismo, o forró, o Teatro de Arena, o teatro Oficina, a música erudita contemporânea brasileira...
Minhas canções estão repletas dessas influências.
O tupi também estacionou nessa cidade, foi a língua falada no cotidiano, com nomes lindos que fariam a felicidade de Darcy Ribeiro [antropólogo, 1922-97], Oscar Niemeyer e outros amantes de palavras-poesia: Ibirapuera, Anhangabaú, Pacaembu, Avanhandava. Todos verdadeiros cantos. Meu show encadeava todas essas coisas.

TOM ZÉ é compositor baiano. É tema do documentário "Fabricando Tom Zé", de Decio Matos Jr., em cartaz em SP.


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