São Paulo, Domingo, 22 de Agosto de 1999
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A infelicidade de Hölderlin

especial para a Folha

Ainda estudante em Tübingen, o poeta Friedrich Hölderlin começa a enviar seus trabalhos a revistas literárias. Na gazeta "Nova Talia", dirigida por Friedrich Schiller, aparecem, entre outros, a "Canção do Destino" e um fragmento do romance "Hyperion". O romance viria a ser publicado na íntegra graças à ajuda de Schiller, que, além disso, conseguiria para o poeta um lugar como preceptor em Waltershausen, na casa de sua amiga Charlotte von Kalb. Em outubro de 1794, Hölderlin passa por Jena em direção a Weimar, para onde deveria levar o filho dela, Fritz. Numa carta de meados de novembro de 1794, escrita em Jena, conta a seu amigo Christian Ludwig Neuffer um episódio acontecido na primeira vez que foi à casa de Schiller:
 
"Também já estive algumas vezes na casa de Schiller, a primeira vez não exatamente com sorte. Entrei, fui saudado amistosamente e mal reparei num estranho ao fundo da sala, em quem nem a fisionomia nem depois o longo silêncio em que se manteve deixavam pressentir algo de especial. Schiller lhe disse meu nome, e também me disse o seu, mas não entendi o nome dele. Saudei-o friamente, quase sem olhá-lo, e me ocupei unicamente, tanto no interior quanto no exterior, de Schiller: por muito tempo o estranho não disse uma palavra. Schiller me trouxe a "Talia" na qual estão impressos o "Hyperion" e meu poema ao destino. Como em seguida Schiller se afastou por um instante, o estranho pegou a revista da mesa em que eu estava, folheou o "Fragmento" e não disse palavra. Senti-me completamente ruborizado. Se soubesse o que agora sei, teria ficado pálido como um cadáver. Depois, ele se voltou para mim, fez perguntas sobre a senhora von Kalb, sobre a região e sobre os vizinhos de nossa aldeia, e respondi a tudo isso com monossílabos, tal como talvez raramente seja meu costume. Mas aquela foi mesmo a minha hora infausta. Schiller voltou, falamos sobre o teatro em Weimar, o estranho deixou escapar algumas palavras, suficientes o bastante para que o pressentisse. Mas não pressenti nada. Ainda apareceu também o pintor Meyer, de Weimar. O estranho conversou sobre muitas coisas com ele. Mas não pressenti nada. Fui embora e no mesmo dia fiquei sabendo no clube dos professores que "sabe que Goethe esteve hoje pelo almoço na casa de Schiller?". Que o céu me ajude a reparar minha infelicidade e minhas tolices se for a Weimar. À noite jantei na casa de Schiller, que me consolou tanto quanto possível, inclusive por sua serenidade e por sua conversa..."
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Hölderlin voltou a encontrar Goethe em Weimar e depois em Frankfurt. Nesta ocasião, Goethe escreve a Schiller dizendo que notou uma inclinação do poeta para a Idade Média e lhe aconselhou escrever "poemas curtos". Como observa laconicamente o grande "Goethe-Handbuch": "Um dos grandes mal-entendidos da história da literatura alemã".
A dificuldade de relacionamento de Hölderlin com as grandes figuras de sua época já foi explicada psicanaliticamente, mas os termos em que o próprio poeta a apresenta também podem ser instrutivos. Ele a explica por algo que se conhece de sua poesia, e que ele parece ter vivido intensamente: a presença-ausência dos deuses e a influência do destino. É assim que, apesar das grandes diferenças, sempre falará com gratidão de Schiller (que representa a figura do pai, segundo Jean Laplanche). Quanto a Goethe, o encontro não foi certamente auspicioso. No período de sua enfermidade mental, o poeta dizia não ter sido bem acolhido por "Herr von Goethe" e, quando lhe perguntavam sobre ele, chegava mesmo a afirmar que não o conhecia.


Comentários e tradução de Márcio Suzuki



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