São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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MILLÔR

Preste atenção: Estamos sendo governados pela prepotência mais impotente de toda a nossa história.

1) A Quem Interessar Possa.
Sobretudo ao ministro Serra: "Michael Heath, gerente de marketing da maior fábrica de cigarros do Brasil, pretende aumentar em 6 a 7 milhões o número de fumantes da nova geração, usando, na TV, verbas maciças de propaganda, recentemente proibida nos Estados Unidos."
Do Livro Global Reach, The Power of. He Multinational Corporations, Richard Barnet e Ronald E. Müller, Simon and Schuster, 508 pgs. 1977.

2) Plataforma
Como guru consciente sei que não tenho qualquer meio de dar conforto ao aflitos mas, enquanto puder, prometo continuar a encher o saco dos cinicamente atisfeitos.

3) Alvo & Objetivo
Conselho óbvio (mas penso que sábio): Não olhe pra trás na hora de chutar em gol.

4) E já que há pás no Oriente Médio
A transformação do Nilo em sangue, a praga das rãs, dos piolhos e dos gafanhotos, até mesmo a morte do primogênito, nada intimidou o Faraó. Mas quando José o advertiu de que a próxima praga seria um dilúvio de economistas, o Faraó imediatamente concedeu a libertação ao povo de Israel.

5) Versa
Brasília está ai mesmo como exemplo pra quem duvidar: "O ladrão faz a ocasião."

6) Ainda Yehuda Amichai
A repercussão para a publicação, aqui na Folha, de alguns poemas do grande poeta israelense, Yehuda Amichai, dá-me coragem de publicar mais alguns com o mesmo encanto e emoção. Estes não foram escolhidos ao acaso mas pela circunstância de terem si feito pouco antes da morte do poeta. Não por uma questão de premonição - aos 76 anos a certeza dos dias contados é permanente - e sim porque revelam aquilo que vai na alma de todos, ao fim de seus termos. Mas raros sabem exprimir. Este poema, publicado no Times Literary Suplement em que se noticiava a morte de Amichai, foi enviado, em inglês, pelo teleitor Isaac Moisés Kessel, com duas frases editoriais que resumem precisamente o poeta e sua obra: "Embora tenha lutado em duas guerras, contra os alemães e os árabes, ele não aceitava as simplificações do nacionalismo. Embora versado nas Escrituras Judaicas, não podia acreditar nas certezas de uma fé exclusiva."

Deus cheio de misericórdia
Deus cheio de misericórdia se não fosse por Deus ser cheio de misericórdia haveria misericórdia no mundo, não só nele eu, que colhi flores nas montanhas contemplando os vales eu, que carreguei corpos montanhas abaixo, posso lhes dizer que o mundo não é vazio de misericórdia.

7) Mais Yehuda
Este poema saiu no New Yorker, edição de 2 de outubro. Escrito nos últimos dias de vida do poeta.

Eu, que eu possa descansar em paz
Eu, que eu possa descansar em paz
eu, que ainda estou vivo, digo;
que eu possa ter paz no que tenho de vida.
eu quero paz agora mesmo, enquanto ainda estou vivo.
não quero esperar como aquele piedoso que almejava
uma perna do trono de ouro do Paraíso. Quero uma cadeira
de quatro pernas, aqui mesmo, uma cadeira simples de madeira.
Quero o resto de minha paz agora.
Vivi minha vida em guerras de toda espécie: batalhas dentro e fora,
combate cara a cara, a cara sempre a minha mesmo,
minha cara de amante, minha cara de inimigo
Guerras com velhas armas, paus e pedras, machado enferrujado, palavras,
rasgão de faca cega, amor e ódio,
e guerra com armas de último forno, metralha, míssil,
palavras, minas terrestres explodindo, amor e ódio.
Não quero cumprir a profecia de meus pais
de que vida é guerra
Eu quero paz com todo meu corpo e em toda minha alma.
Descansem-me em paz..


Site do Millôr: www.uol.com.br/millor



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