São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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"Um filme à frente de seu tempo"

O diretor Eduardo Coutinho fala sobre Gillo Pontecorvo, morto no último dia 12

MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO

O cineasta italiano Gillo Pontecorvo (1919-2006), morto no último dia 12 em Roma, foi um ícone do cinema político e é autor de clássicos no gênero -como "Queimada" (69) e "A Batalha de Argel" (65). Este último lhe rendeu o Leão de Ouro em Veneza, em 1966, festival que o próprio Pontecorvo viria a dirigir de 1992 a 1996.
Eduardo Coutinho, principal documentarista brasileiro e autor de "Cabra Marcado para Morrer" e "Santo Forte", entre outros, diz na entrevista a seguir que Pontecorvo fez suas obras-primas num momento em que o documentário e a ficção passaram a se comunicar mais e também comenta a obra do diretor italiano.

 

FOLHA - Qual a importância de Gillo Pontecorvo para o cinema?
EDUARDO COUTINHO
- Da carreira dele, uma coisa curiosa é "Kapo" [60], filme que ficou sendo a besta-fera da "Cahiers du Cinéma" durante anos. É um caso clássico [na história da "Cahiers"], um filme que ficou sendo citado mensalmente, anualmente. O filme tem um "travelling" sobre um cara que tenta fugir de um campo de concentração e é eletrocutado. Esse "travelling" ficou sendo um assunto-slogan. Mas é uma ficção, não tem nada a ver com "A Batalha...".

FOLHA - E sobre "A Batalha de Argel"? É um filme precursor?
COUTINHO
- Foi um filme extraordinário, mas não sei se é precursor. Era o período do cinema novo, de Jean Rouch, do "cinema direto". Tudo estava aberto para essas comunicações entre ficção e documentário. Acho que o Rouch abriu caminhos que outros seguiram, como a nouvelle vague. Pontecorvo se fixou nesse ponto, como um cineasta politizado, para o governo argelino revolucionário. Deu no que deu... Essas revoluções, passam 30 anos, não pode ter eleições....

FOLHA - "A Batalha de Argel" deve suas inovações a Jean Rouch?
COUTINHO
- Não propriamente a Jean Rouch, mas a um espírito que havia nesse momento no cinema, em que tudo parecia possível. Havia o som direto, e a partir disso a ligação do documentário com a ficção passou a ser uma coisa muito mais interessante. Estava no espírito desse tempo fazer um filme como esse. Não só por causa da esperança política, mas também do ponto de vista formal. Uma das combinações é a que ele fez em "A Batalha de Argel".

FOLHA - Por que especialmente "A Batalha de Argel" virou um marco?
COUTINHO
- Não sei, esse filme voltou à baila porque dizem que os americanos passavam na CIA, sei lá... O filme mostra um esquema de guerrilha, de tortura como solução. Há um único ator profissional, o que faz um oficial francês, o torturador, se não me engano. É um filme à frente dos outros, ficou na história um pouco por causa disso.

FOLHA - E "Queimada", ficou famoso pela tentativa de visão marxista do colonialismo?
COUTINHO
- Faz muito tempo que o vi, mas acho que foi pelo fato de tentar botar um roteiro de esquema marxista com Marlon Brando. Marlon Brando -nas filmagens, deve ter sido uma briga terrível...- foi um elemento de atração extraordinária... No filme eram ele e os atores desconhecidos. "A Batalha de Argel" e "Queimada" foram os dois grandes momentos da carreira do Pontecorvo.

FOLHA - A opção pelo cinema político de uma forma tão aberta acabou provocando seu ostracismo?
COUTINHO
- Não sei dizer, porque é muito pessoal, talvez fosse perfeccionista. Mas ele mesmo fala de vários projetos que não vingaram, depois fez um ou outro. Não acredito que tenha sido por problemas políticos. Ao contrário, os anos 60 foram um período ótimo para esse tipo de cinema. Mas no cinema você sempre compõe com o real. Deve ter alguma coisa a ver com o espírito e o temperamento dele.

FOLHA - O que vai ficar na memória do cinema de Pontecorvo?
COUTINHO
- Seria bom que os outros filmes fossem relançados em DVD, senão ele vai ficar sempre como o cara de um filme só.

FOLHA - No Brasil esse filme ficou marcado por causa do momento político, com o regime militar?
COUTINHO
- Um pouco, sim. Aquele filme "Os Companheiros", do [Mario] Monicelli, também foi típico. Para todo o pessoal de esquerda daquela época foi um filme idolatrado. Por isso seria bom vê-lo hoje, fora desse contexto.


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