|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Um filme à frente de seu tempo"
O diretor Eduardo Coutinho fala sobre Gillo Pontecorvo, morto no
último dia 12
MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO
O
cineasta italiano
Gillo Pontecorvo
(1919-2006), morto no último dia 12
em Roma, foi um
ícone do cinema político e é autor de clássicos no gênero -como "Queimada" (69) e "A Batalha de Argel" (65). Este último
lhe rendeu o Leão de Ouro em
Veneza, em 1966, festival que o
próprio Pontecorvo viria a dirigir de 1992 a 1996.
Eduardo Coutinho, principal
documentarista brasileiro e
autor de "Cabra Marcado para
Morrer" e "Santo Forte", entre
outros, diz na entrevista a seguir que Pontecorvo fez suas
obras-primas num momento
em que o documentário e a ficção passaram a se comunicar
mais e também comenta a obra
do diretor italiano.
FOLHA - Qual a importância de Gillo Pontecorvo para o cinema?
EDUARDO COUTINHO - Da carreira
dele, uma coisa curiosa é "Kapo" [60], filme que ficou sendo
a besta-fera da "Cahiers du Cinéma" durante anos.
É um caso clássico [na história da "Cahiers"], um filme que
ficou sendo citado mensalmente, anualmente. O filme tem
um "travelling" sobre um cara
que tenta fugir de um campo de
concentração e é eletrocutado.
Esse "travelling" ficou sendo
um assunto-slogan. Mas é uma
ficção, não tem nada a ver com
"A Batalha...".
FOLHA - E sobre "A Batalha de Argel"? É um filme precursor?
COUTINHO - Foi um filme extraordinário, mas não sei se é
precursor. Era o período do cinema novo, de Jean Rouch, do
"cinema direto". Tudo estava
aberto para essas comunicações entre ficção e documentário. Acho que o Rouch abriu caminhos que outros seguiram,
como a nouvelle vague. Pontecorvo se fixou nesse ponto, como um cineasta politizado, para o governo argelino revolucionário. Deu no que deu... Essas revoluções, passam 30
anos, não pode ter eleições....
FOLHA - "A Batalha de Argel" deve
suas inovações a Jean Rouch?
COUTINHO - Não propriamente
a Jean Rouch, mas a um espírito que havia nesse momento no
cinema, em que tudo parecia
possível. Havia o som direto, e a
partir disso a ligação do documentário com a ficção passou a
ser uma coisa muito mais interessante. Estava no espírito
desse tempo fazer um filme como esse. Não só por causa da
esperança política, mas também do ponto de vista formal.
Uma das combinações é a que
ele fez em "A Batalha de Argel".
FOLHA - Por que especialmente "A
Batalha de Argel" virou um marco?
COUTINHO - Não sei, esse filme
voltou à baila porque dizem
que os americanos passavam
na CIA, sei lá... O filme mostra
um esquema de guerrilha, de
tortura como solução. Há um
único ator profissional, o que
faz um oficial francês, o torturador, se não me engano.
É um filme à frente dos outros, ficou na história um pouco
por causa disso.
FOLHA - E "Queimada", ficou famoso pela tentativa de visão marxista do colonialismo?
COUTINHO - Faz muito tempo
que o vi, mas acho que foi pelo
fato de tentar botar um roteiro
de esquema marxista com Marlon Brando. Marlon Brando
-nas filmagens, deve ter sido
uma briga terrível...- foi um
elemento de atração extraordinária... No filme eram ele e os
atores desconhecidos. "A Batalha de Argel" e "Queimada" foram os dois grandes momentos
da carreira do Pontecorvo.
FOLHA - A opção pelo cinema político de uma forma tão aberta acabou provocando seu ostracismo?
COUTINHO - Não sei dizer, porque é muito pessoal, talvez fosse perfeccionista. Mas ele mesmo fala de vários projetos que
não vingaram, depois fez um ou
outro. Não acredito que tenha
sido por problemas políticos.
Ao contrário, os anos 60 foram
um período ótimo para esse tipo de cinema.
Mas no cinema você sempre
compõe com o real. Deve ter alguma coisa a ver com o espírito
e o temperamento dele.
FOLHA - O que vai ficar na memória do cinema de Pontecorvo?
COUTINHO - Seria bom que os
outros filmes fossem relançados em DVD, senão ele vai ficar
sempre como o cara de um filme só.
FOLHA - No Brasil esse filme ficou
marcado por causa do momento político, com o regime militar?
COUTINHO - Um pouco, sim.
Aquele filme "Os Companheiros", do [Mario] Monicelli,
também foi típico. Para todo o
pessoal de esquerda daquela
época foi um filme idolatrado.
Por isso seria bom vê-lo hoje,
fora desse contexto.
Texto Anterior: + autores: Peripécias do voto Próximo Texto: A vida breve Índice
|