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A erosão do trabalho
Rogerio Cassimiro - 4.set.2006/Folha Imagem
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Funcionários da Volkswagen em assembléia que decidiu pela volta ao trabalho, em São Bernardo do Campo (SP) |
Estudo analisa as mudanças por que têm passado as relações entre patrões e empregados no Brasil p
ERNANE GUIMARÃES NETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Enquanto a indústria se
moderniza, postos de
trabalho são substituídos por máquinas;
como alternativa ao
desemprego, as empresas oferecem soluções como flexibilização de horários e contratos
temporários.
Para o professor de sociologia na Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes, que pesquisa as
mutações no mundo do trabalho desde o início da década de
1990, esse tipo de solução (a
"desconstrução da legislação
social") não só piora as condições dos que têm emprego como não resolve o problema do
desemprego estrutural.
Tendo estudado como Japão,
EUA e Europa lidaram com a
pressão sobre os trabalhadores, Antunes escreveu "Adeus
ao Trabalho?" (ed. Cortez) e
"Os Sentidos do Trabalho"
(Boitempo). Voltando-se agora
para o Brasil, ele lança "Riqueza e Miséria do Trabalho no
Brasil" (Boitempo), coletânea
de artigos de diversos autores
sobre o tema.
Além de investigar a reestruturação em setores tradicionais, como o automobilístico e
o bancário, o novo livro apresenta setores pouco estudados,
como a música erudita e o telemarketing. Baseado nesses dados e na evolução da legislação
trabalhista no Brasil, Antunes
deu à Folha sua interpretação
para a atual situação do trabalho e o futuro que se desvela.
FOLHA - Por que cinco capítulos só
sobre indústria automobilística?
RICARDO ANTUNES - Porque ela
tem muita importância: o novo
sindicalismo nasceu no ABC
paulista. Tem uma tradição na
história do trabalho, na história
sindical e enorme importância
nos ciclos de industrialização.
FOLHA - Houve surpresa com os recentes cortes e medidas, como os da
Volkswagen?
ANTUNES - Para nós não foi surpresa. A pesquisa empírica pegou toda a década de 1990 e se
concluiu em torno do início de
2005. Era fundamental entender como, em São Bernardo do
Campo (SP), ocorreu o desmonte de uma planta que chegou a ter 44 mil trabalhadores,
juntando as unidades dos anos
dourados -1970-80-, contingente reduzido a menos da metade e produzindo três vezes
mais. A Volkswagen perdeu
competitividade e veio com
uma proposta muito dura, de
perda de direitos com demissão
em massa.
FOLHA - O sr. diz que centrais sindicais aceitaram acordos ruins para os
trabalhadores. Por quê?
ANTUNES - Foi uma combinação complexa de elementos. Na
década de 90 ocorreram no
Brasil dois movimentos simultâneos: um foi a monumental
reestruturação produtiva das
empresas...
FOLHA - E ela teve mais impacto
porque as indústrias haviam se acomodado e então, no início dos anos
1990, passaram a sofrer com a liberação das importações?
ANTUNES - Certamente. Freqüentemente se diz que a década de 1980 foi perdida. Foi perdida talvez para o capital, mas
para o mundo do trabalho no
Brasil foi uma década de florescimento. Basta dizer que em 80
nasce o Partido dos Trabalhadores, em 83 a Central Única
dos Trabalhadores, em 84 o
Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra...
Foi um período de vivificação
das lutas sociais. Quando Collor ganhou a eleição [em 1989],
houve o segundo elemento fundamental: tivemos, de modo intenso, a pragmática neoliberal
da desregulamentação.
Voltando à questão anterior,
[por esses motivos] a década de
90 bateu duro nas centrais sindicais, no PT. Esses abalos no
mundo do trabalho têm seu impacto na representação política. A CUT e a Força Sindical viveram esse ciclo de uma onda
ideopolítica muito forte: em
1989, o fim do Leste Europeu,
expandido como o "fim do socialismo". Se não havia alternativa, muitos partidos mudaram.
FOLHA - Então os sindicalistas compactuaram com o capital?
ANTUNES - Eu usaria termos
mais sofisticados: abandonaram a prática da luta social, foram buscar recursos do Estado
-o Fundo de Amparo ao Trabalhador, por exemplo, e mais
recentemente estão de olho
nos fundos de pensão- e implantaram uma espécie de neocorporativismo, que oscila entre depender do Estado e de outros recursos.
É um neopeleguismo da era
lulista, diferente do velho peleguismo da era getulista.
O resultado final: a CUT de
2006 é completamente prisioneira do Estado, do Ministério
do Trabalho, de verbas públicas
-não é por acaso que algumas
de suas principais lideranças
estiveram diretamente envolvidas em todos os escândalos,
do mensalão ao dossiê contra a
candidatura do [governador
eleito por SP José] Serra.
FOLHA - Que projeções podem ser
feitas sobre o desemprego, com base nas políticas atuais?
ANTUNES - Nesse ponto não é
possível ter ilusões. [O economista americano] Jeremy Rifkin publicou um artigo no
"Guardian" em 2004 dizendo
que, entre 1995 e 2002, a China
perdeu 15 milhões de trabalhadores industriais crescendo
10%, 12% ao ano. O crescimento não é sinônimo de inclusão
no trabalho. Ele é possível com
maquinário e trabalho multifuncional (em bom e claro português, significa o trabalhador
fazer muitas coisas).
Teremos um mundo do trabalho mais ou menos assim
(excluindo-se as classes proprietárias, que estão cada vez
mais ricas): na ponta de cima,
trabalhos ultraqualificados,
com uma remuneração relativamente alta, mas um trabalho
virtual. Trabalha-se hoje numa
grande transnacional, e amanhã pode-se ser transferido para as Filipinas, a Rússia ou perder o emprego.
Na base, o desemprego estrutural. Os dados da Organização
Internacional do Trabalho são
muito minimizadores.
No meio, vamos ter um conjunto muito grande de trabalhos, alguns bastante qualificados no que concerne à atividade, mas sob condições bastante
instáveis ou mesmo virtuais.
São trabalhadores técnicos que
ficam oscilando: quando há
uma fusão, há o desemprego.
Deixada a lógica do século 21
como está hoje, com o chamado
"mercado" dizendo o que deve
ser feito, com o Estado em retração, cada vez mais privatizado, caminhamos para um estado de desertificação social.
O que era típico do Terceiro
Mundo chegou ao Primeiro. Os
bolsões de pobreza, o "lavoro
nero" na Itália, os árabes muçulmanos e os negros africanos
na França, os brasileiros em
Portugal, na Espanha e Inglaterra são uma "terceiromundização" do trabalho no Primeiro
Mundo, enquanto nossas burguesias vivem um prolongamento do Primeiro Mundo.
Haverá esse fosso social.
Mas isso cria para o capital
pelo menos três problemas.
Primeiro, a classe trabalhadora
sem trabalho não tem salário e
não consome; o capital resolve
isso com consumo sofisticado
para as classes médias altas e
uma produção de péssima qualidade para os pobres.
Segundo, os bolsões de miséria; nos anos dourados do Estado de Bem-Estar Social, o desempregado europeu recebia o
equivalente a seu salário quando estava sem emprego. Não só
isso nunca ocorreu por aqui como está em erosão nos países
europeus.
São bolsões sem trabalho
nem remuneração, o que leva
ao terceiro ponto: esses bolsões
de pauperismo são base para a
economia política do tráfico, do
crime ou são pólos de rebelião.
Por que o MST teve força? Porque aglutinava em seu acampamento os excluídos do campo e
os da cidade.
FOLHA - Mas o que fazer então?
ANTUNES - Responder é um desafio. Queremos uma produção
destrutiva -em que a acumulação de valor é o "modus operandi" fundamental- ou queremos recuperar uma humanidade para a qual questões vitais
são preservadas?
Além de uma nova morfologia do trabalho, há uma nova
morfologia das lutas sociais.
Aquilo de "primeiro vem o partido" soçobrou. Hoje, os mais
importantes movimentos são
os que tocam as questões vitais.
FOLHA - Qual a diferença entre Lula
e Alckmin em relação à desmontagem da legislação trabalhista?
ANTUNES - Ambos farão a mesma reforma. A reforma de Lula
é a reforma de Fernando Henrique Cardoso, com um acento
diferente aqui e ali. Lula não fez
uma reforma em benefício dos
trabalhadores, contra a reforma do FHC. Ambas têm relativa timidez em flexibilizar porque haverá muita resistência
sindical e dos trabalhadores
-apesar de todos os limites, o
sindicato se arraigou na história da classe trabalhadora brasileira. E alguns sindicatos importantes não aceitam transferir sua autonomia às centrais.
Lula e Alckmin tenderão a vir
com as imposições do capital
global. Só que há um problema:
como Lula vem do movimento
sindical, é muito mais difícil se
opor a ele. FHC tentou privatizar a Previdência e taxar os
aposentados e não conseguiu.
Taxar os aposentados foi o primeiro ato importante de Lula.
A racionalidade no ideário
neoliberal implantada por
FHC é marcada por uma destrutividade que está presente
no livro. Esse desmonte dos
anos 90 -com Collor, Itamar e
FHC, até 2002-, quando imaginávamos que fosse estancar,
ganhou novo fôlego com Lula.
Essa é a tragédia brasileira.
RIQUEZA E MISÉRIA DO TRABALHO NO BRASIL
Organização: Ricardo Antunes
Editora: Boitempo (tel. 0/xx/11/
3875-7250)
Quanto: R$ 62 (528 págs.)
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