São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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DENTRO DA NOVA ORDEM

PARA O ECONOMISTA EDUARDO GIANNETTI, PAÍS DEVE RESISTIR À CRISE NOS EUA, MAS DEPENDÊNCIA DA CHINA PODE SER PROBLEMA

JOÃO PEQUENO
DA REDAÇÃO

P rofessor no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais/SP), o economista Eduardo Giannetti da Fonseca atribui a uma expansão "extravagante" do crédito a crise que abala a economia norte-americana e ameaça a mundial. Ponderando as previsões de analistas mais pessimistas e mais otimistas, ele não acredita em uma pronta reação da economia, mas tampouco aposta na recessão permanente, considerando mais provável uma recuperação gradual (curva em U).
Nascido em 1957, em Belo Horizonte, Giannetti é formado pela USP e PhD pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), já tendo lecionado em ambas. Ganhou o Prêmio Jabuti em 1994, por "Vícios Privados, Benefícios Públicos?" (Cia. das Letras), e, em 1996, por "As Partes e o Todo" (ed. Siciliano).
Para Giannetti, também membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o Brasil, como o mundo todo, sofrerá conseqüências, mas tem como sobreviver à crise, porque não estaria mais tão dependente da economia dos EUA.

FOLHA - O capitalismo liberal está passando por uma crise irreversível?
EDUARDO GIANNETTI -
O crash da Bolsa norte-americana em 1987 foi saudado por muitos como "o muro de Berlim do neoliberalismo". Em retrospecto, o que foi? Um soluço nas telas. As "crises irreversíveis do capitalismo", o que quer que isso signifique, têm se sucedido com regularidade desde que Marx nos viciou a pensar a história como uma auto-estrada de modos de produção. Também a imaginação humana é dada a surtos especulativos.

FOLHA - Por que a crise das hipotecas está ocorrendo?
GIANNETTI -
Trata-se de uma típica crise de crédito. Motivado pelos baixos juros, apetite pelo risco e aumento da liquidez, o sistema financeiro expandiu o crédito de forma extravagante. Parte dos investimentos feitos frustrou as expectativas e não deu o retorno esperado. A aversão ao risco subiu e o crédito encolheu. Como diz Warren Buffett [investidor americano apontado pela revista "Forbes" como homem mais rico do mundo], "é só quando a maré baixa que descobrimos quem estava nadando nu".

FOLHA - Como o senhor prevê os desdobramentos da atual crise?
GIANNETTI -
A incerteza favorece a dispersão de expectativas. Para os otimistas, o paralelo é a recessão de 2001 nos EUA, a menor do pós-guerra: a curva do nível de atividade terá um formato em V.
Os pessimistas vêem um paralelo com a crise japonesa dos anos 90, cuja origem foi também o sistema de crédito: a curva da recessão será um L. O provável, creio, é o U: mais grave que 2001, mas longe da deflação japonesa.

FOLHA - Quais são as soluções a curto, médio e longo prazo?
GIANNETTI -
A resposta imediata é o que o Fed vem fazendo: baixando os juros e garantindo a liquidez necessária para evitar uma crise sistêmica. O ideal é que os prejuízos sejam o mais rapidamente explicitados e os EUA consigam estreitar o seu déficit externo sem provocar uma recessão global. Olhando à frente, creio que será preciso rever o marco regulatório do sistema financeiro, visando a prevenir bolhas de crédito.

FOLHA - Os EUA caminham para um enfraquecimento inevitável de seu poder político e econômico em nível mundial?
GIANNETTI -
Felizmente o mundo vem se tornando menos dependente da turbina norte-americana. Há um processo de rebalanceamento das fontes de crescimento na economia mundial. Os países emergentes já representam cerca de metade do PIB global (PPP) e respondem por mais de 45% das exportações mundiais.
O outro lado da moeda é que estamos nos tornando cada vez mais perigosamente dependentes do dínamo chinês.

FOLHA - Quais são as perspectivas vislumbradas para o Brasil e os demais países emergentes?
GIANNETTI -
Muito dependerá da intensidade e duração da crise americana. Nenhum país ficará totalmente imune. Os mais afetados serão os que dependem muito do mercado norte-americano (como México e Canadá) ou que têm elevados déficits externos (como Turquia e África do Sul).
Embora o Brasil não chegue a ser, como dizia o ex-presidente Ernesto Geisel (1908-1996), "uma ilha de prosperidade num mar turbulento", estamos aptos a transpor a tormenta.


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