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PONTO DE FUGA
Peter Pan
JORGE COLI
em Nova York
Matthew Broderick conservou um ar adolescente meio perdido. Tem quase 40 anos, não malha, e a barriga está crescendo. Encabeça, na Broadway, o elenco de "Night Must Fall", velha peça inglesa com chás e crimes. Broderick representa um assassino sedutor, mas mitômano como uma criança e prolongando, na idade adulta, desequilíbrios infantis. Em "Election", segundo filme de Alexander Payne, atualmente em cartaz, ele é professor de educação moral e cívica num colégio de cidade pequena. Ponderado e responsável em aparência, será envolvido nas peripécias de uma eleição estudantil e no conflito com uma aluna hiperativa e odiosa, papel da genial atriz Reese Witherspoon.
Ele discute moral e ética nas aulas, mas essas questões gerais surgem, no filme, apenas para serem evitadas. Payne busca o particular, as obsessões individuais. Pelos detalhes, desmonta, pouco a pouco, as grandes idéias, o espetáculo da democracia liberal, os valores mais tranquilos, a família, a nação. Ou melhor, evidencia o pacto hipócrita estabelecido pelo mundo adulto. Payne não discorre: sabe criar um filme por meio da montagem, dos movimentos justos de câmera, unindo, na mesma sequência, angústia, riso e insights corrosivos. A alma de "teenager" desajustado acaba dominando o professor, que terminará "exilado" em Nova York, cidade dos outsiders. É uma lição: o âmago juvenil está lá sempre, ameaçador e caótico, adormecido ou ativo. Adulto é apenas um adolescente dissimulado.
HERMAFRODITA - São
mistérios sinuosos os que levam um espetáculo a tornar-se
"cult". "Hedwig and the
Angry Inch" é uma história
maluca de um transexual alemão morando nos EUA, cuja
operação imperfeita deixou-o
com uma polegada sobrando.
Nos confins do West Village,
no térreo do hotel Riverview,
que hospedou os sobreviventes
do Titanic e hoje virou um pardieiro, há um teatrinho mambembe. Ali uma falsa "drag
queen" (um verdadeiro ator
que constrói o personagem)
conta a história, pontuando-a
por números de "glam rock".
As críticas, do "Village Voice" ao "New York Times",
foram unânimes na louvação.
Mas, como em Nova York o
"trash" nunca é "trash" de
verdade, o "Meatpacking District" é um bairro tranquilo, a
sala mantém com cuidado seu
aspecto decadente, as entradas
têm preço estratosférico e pode-se comprar o CD da peça,
lançado neste mês, bem como
camisetas, canecas etc. A música possui uma certa energia, o
texto é às vezes engraçado, o
ator, sempre excelente. E o público fica com a agradável impressão de se acanalhar, acreditando descer aos bas-fonds
nova-iorquinos.
IRREAL - Regulada pela mão
de ferro de seu prefeito, limpa e
segura, Nova York ajusta o desajuste. Ela não o elimina: encontra o lugar para ele, banalizando-o. Não há desordem.
Não há, também, muita excitação. Tudo é previsto, previsível, controlado. Os tempos da
criação cultural intensa e realmente nova foram-se há muito. Perante um país bastante
provinciano, Nova York é a
Meca eletrizada dos delírios e
também da sofisticação. Imagem que ela consegue vender
muito bem para o resto do
mundo.
DEDOS - O niilismo jovem
atinge uma apoteose com
"Idle Hands". Rodman Flender, diretor de filmes B, gênero
horror nojento, inventa um garoto que passa os dias fumando maconha, comendo cereais
com leite diante da televisão ou
vagando com fones de ouvido.
Sua mão ociosa adquire vontades próprias e assassinas. Os laços com a família são tão frágeis que ele só percebe ter matado os pais dias depois. Estranha comédia com mortos vivos, cujo "nonsense" masturbatório emana da solidão adolescente.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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