São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000 |
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+ 3 questões Sobre educação e Internet 1. A Internet beneficia ou prejudica a aprendizagem? 2. Em que medida a navegação na rede altera o conceito de aprendizagem? 3. Ela pode desbancar o ensino tradicional? Valdemar Setzer responde 1. Depende. Se for criança ou jovem até uns 16 anos de idade, prejudica muitíssimo, pois acelera indevidamente o desenvolvimento. 2. A educação sempre foi altamente contextual: um pai sempre examina um livro antes de comprá-lo para seu filho; uma professora dá uma aula tendo em vista o que ela deu em dias anteriores, a maturidade da classe e, idealmente, de cada aluno etc. A Internet é totalmente descontextualizada. Crianças e jovens não têm capacidade para decidir o que é adequado para eles, pois, se tiverem, estarão indevidamente se comportando como adultos. TV, joguinhos eletrônicos e computador -e a Internet em particular- produzem aceleração altamente prejudicial: qualquer queima de etapas em desenvolvimento e educação produz desequilíbrios fisiológicos e psicológicos. Além disso, o que se obtém por meio da Internet são dados, eventualmente interpretados como informação. Esta é quase irrelevante diante do que a educação deveria ser: desenvolvimento de capacidades sociais, artísticas e científicas, principalmente por meio de vivências reais e não de abstrações virtuais. 3. Sim, pois estamos num mundo verdadeiramente cão, onde as pessoas -em grande parte devido aos meios eletrônicos- perderam a sensibilidade, a intuição sobre o que deve ser uma educação sadia e equilibrada, adequada a cada idade. Essa perda não foi, em geral, substituída por uma necessária conceituação holística do que é o ser humano e a sua educação. Estamos na "era do cosmético": ele é mais importante do que o conteúdo. TV, joguinho e computador são especialistas em cosméticos, atraindo pela forma, não pelo conteúdo, pela virtualidade, não pela realidade. A atração que o uso do computador na educação exerce nas crianças e jovens deveria servir de alerta para o fato de que ela está falida, pois é um absurdo uma máquina atrair mais do que um ser humano. A "escola do futuro" deveria ser mais humana, e não mais tecnológica, pois esta vai produzir futuros adultos menos humanos, comportando-se como animais e máquinas. O nazismo será fichinha perto do que essas crianças e jovens informatizados farão no futuro (e estão começando a fazer) e o sofrimento por que passarão. Rogério da Costa responde 1. Talvez o que mais prejudique o aprendizado seja a própria idéia que temos de aprendizagem. Se acreditarmos que alguém possa aprender de modo diverso do que é proposto pelo sistema professor-aluno, que é possível aprender quando trocamos idéias com outras pessoas, que, ao relacionarmos informações dispersas, estamos, de algum modo, produzindo conhecimento, então a Internet beneficia o aprendizado. Por outro lado, não há nada que prejudique mais o aprendizado tradicional do que um professor despreparado ou mal amparado materialmente. Esse problema a Internet não irá resolver, mas poderá ajudar a resolver. 2. A navegação na rede significa, basicamente, a possibilidade de explorarmos de um modo não-linear universos distintos de informações e conhecimentos. Ora, a idéia de "exploração", por si só, já nos convida a refletir sobre a aprendizagem de uma maneira distinta daquela que comumente entendemos: a "recepção" do conhecimento exclusivamente por meio do professor. Porém a própria atividade de exploração dos mundos virtuais requer um aprendizado! Isso nos leva a crer que o ensino tradicional terá um papel importante a desempenhar nesse aspecto: ensinar o aluno a ser ele próprio o explorador de seu universo de interesses. As comunidades virtuais e o aprendizado coletivo que elas implicam constituem outro aspecto fundamental da navegação em rede. Aprender a "aprender coletivamente" talvez seja uma outra tarefa para o ensino fundamental. 3. Penso que não é produtivo estabelecermos uma concorrência entre o ensino por meio de ambientes virtuais e o ensino tradicional. Ao contrário, eles podem ser vistos como perfeitamente complementares. Cabe lembrar, no entanto, que o fato de estarmos sendo provocados a pensar o ensino via Internet, com todo o desafio que isso significa e com toda a riqueza que ele nos promete, nos faz refletir sobre a própria arquitetura do ensino tradicional que temos hoje. Isso nos leva a crer que nossa relação com o ensino presencial se tornará cada vez mais complexa, mais crítica e, esperamos, mais rica em mudanças e inovações. QUEM SÃO Valdemar Setzer É professor do departamento de ciência da computação da USP, autor de "Introdução à Rede Internet e Seu Uso" (ed. Edgar Blucher). Rogério da Costa É professor de pós-graduação em comunicação e semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autor de "Limiares do Contemporâneo" (ed. Escuta). Texto Anterior: Os dez + Próximo Texto: Flora Süssekind: Escalas & ventríloquos Índice |
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