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Obra pioneira, "O Sexo da Mulher" descreve com naturalidade
e descontração a anatomia e a fisiologia do órgão sexual feminino
Radiografia de um tabu
Giovanna Bartucci
especial para a Folha
O timing não poderia ser melhor.
Lançado no Brasil há pouco,
"O Sexo da Mulher", de Gérard
Zwang, é a reedição de uma
obra que absolutamente não passou despercebida na França, em 1967. Tendo
provocado em homens e mulheres as
mais diversas reações, "O Sexo da Mulher" chega ao Brasil no momento mesmo em que a mídia alardeia o incremento da vida sexual após os 40; em que o
Brasil, mais precisamente a cidade do
Rio de Janeiro, é a sede do primeiro curso de pós-graduação em sexologia na
América Latina.
No cinema, sexo, prazer e maturidade
têm caminhado de mãos dadas, veiculando uma determinada representação
do mundo, das relações entre as pessoas,
produtora de uma certa realidade que é,
eventualmente, concebida como modos
de conduta, caso já não o tenha sido, anteriormente.
Assim é que essa obra foi a primeira a
falar sobre o sexo da mulher e suas funções com certa naturalidade e descontração. E a primeira a ter feito sua descrição
anatômica exata. Será por meio da descrição "da coisa em si" que Gérard
Zwang parece "fazer ver" aos leitores o
sexo da mulher. Seu interesse pelo tema
já o levou a publicar o "Atlas du Sexe de
la Femme" (Atlas do Sexo da Mulher),
pela "Le Magasin Universel", em 1996,
após 30 anos de preparação, reiterando
mais uma vez a idéia de que o autor quer
fazer ver "o órgão-chave da posse do corpo feminino", (o qual) "é muito menos
conhecido que a face oculta da Lua, (tendo) sua visão (sido) um dos tabus mais
arraigados de nossos costumes" (pág.
40).
Para combater tal tabu, o autor descreverá o sexo da mulher de
diferentes heranças genéticas de forma minuciosa,
discutindo detidamente
as funções de micção, de
parturição e erógena.
Com base em suas descrições morfológicas e fisiológicas, Zwang finalmente conceberá a
zona erógena principal da mulher como
correspondente a "uma faixa cutâneo-mucosa contínua, que se desdobra como
um leque desde o nascimento da fenda
até o fundo da vagina, ocupando o clitóris, a região perimeática, a parede vaginal
anterior e o fundo de saco posterior"
(pág. 115). Sendo o clitóris "o inseparável
educador da vagina, seu incitador ao
prazer, seu vizinho de porta e seu melhor
amigo" (pág. 219).
Sejamos claros: Gérard Zwang é um
apaixonado, um aficionado por seu "objeto de estudo". E será a paixão desse cirurgião e ginecologista pelo sexo da mulher que fará com que o autor lute, bravamente, contra inimigos imaginários,
dentre eles 5.000 anos de cultura judaica,
2.000 anos de cultura cristã, tantos outros mil anos de cultura oriental e até
mesmo contra o velho Sigmund Freud,
pai da psicanálise, em defesa do sexo da
mulher.
Pois sim, é aí que "a porca torce o rabo", como diria Zwang. Atirando para
todos os lados, no que concerne à psicanálise o autor parece pretender enterrar
uma disciplina. "Freud enganou-se em
sexologia, em psiquiatria, em hipnologia, em paleoantropologia, em sociologia, em crítica de arte etc. E nos enganou", afirma (pág. 33). Ao sobrepor certa
terminologia de senso comum a conceitos caros à psicanálise, tais como "falo" e
"sexualidade", fundamentalmente porque relativos à prática clínica do psicanalista, na medida em que o uso do termo
"falo", por exemplo, sublinha a "função
simbólica" desempenhada pelo pênis na
dialética intra e intersubjetiva, Zwang explicita seu desconhecimento da matéria
freudiana. O que, no entanto, é compreensível: para o autor, "a função erótica está inscrita em nossos genes; ela faz
da ligação sexual humana bem-sucedida
uma ligação erótica entre
um homem e uma mulher que se outorgam mutuamente o presente do
orgasmo" (pág. 185).
Para a psicanálise, no
entanto, o campo do psicossexual é irredutível a
dados biológicos, não sendo o corpo
nem o somático nem tampouco o organismo, ultrapassando, assim, em muito
o registro biológico da vida, marcado
que está esse corpo pelas pulsões. Assim,
torna-se possível reconstruir as etapas da
evolução psíquica que conduz a criança
do sexo anatômico feminino, por exemplo, à posição subjetiva que a torna apta a
satisfazer suas funções biológicas. Evolução que, contrariando as expectativas de
Zwang, nada tem de natural e precisa seguir desvios paradoxais. De fato, não se
nasce mulher, torna-se mulher, mesmo
que isso signifique enfurecer Zwang ainda mais.
Giovanna Bartucci é psicanalista, autora de "Borges - A Realidade da Construção" (Imago).
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