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O vôo do falcão
O jornalista Christopher Hitchens, que vem ao Brasil
para lançar "Amor, Pobreza e Guerra", diz que
os EUA precisam aumentar sua presença no Oriente Médio, elogia Trótski e chama Bento 16 de "burocrata de carreira"
O presidente Bush tem tido sua ação bastante limitada na região, e há gente que acha que ele deveria
agir mais
MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO
Um dos grandes polemistas da imprensa de língua
inglesa, Christopher Hitchens é
um nome na melhor tradição
dos autores anglo-saxões que
interferem no debate público
utilizando a verve irônica e ácida. Para irritação dos liberais
americanos, esse ex-trotskista
é uma das principais vozes nos
EUA em defesa da política de
George W. Bush de intervenção no Iraque.
Inglês radicado em Washington, jornalista e crítico literário, em 2005 foi escolhido um
dos cem principais intelectuais
do mundo pelas revistas "Prospect" e "Foreign Policy".
Conhecido por suas posições
anticlericais e iconoclastas, ficou famoso em uma série de
ataques a madre Teresa de Calcutá, ao ex-presidente Bill
Clinton e ao ex-secretário de
Estado dos Estados Unidos
Henry Kissinger.
Uma de suas vítimas mais recentes é Michael Moore, diretor de "Fahrenheit 11 de Setembro". Seu artigo na revista
on-line "Slate", em que acusa
uma das principais obras anti-Bush de ser um "espetáculo de
abjeta covardia política", está
incluído em "Amor, Pobreza e
Guerra" (Ediouro, tradução de
Alexandre Martins e Marcos
José da Cunha, 368 págs.).
Hitchens lançará o livro na
quarta edição da Festa Literária Internacional de Parati, entre 9 e 13 de agosto, de que será
uma das estrelas.
O livro reúne ensaios, prefácios e artigos que abordam política externa, religião, cultura,
personalidades e escritores como Jorge Luis Borges, James
Joyce e Aldous Huxley -uma
das suas grandes referências.
O autor de "Cartas a um Jovem Contestador" (Cia. das Letras) e "O Julgamento de Kissinger" (Boitempo) disse em
entrevista à Folha por que
acha a esquerda brasileira melhor do que a venezuelana, fala
que não é neoconservador,
chama o papa Bento 16 de "reacionário medíocre" e justifica a
ação militar no Iraque.
FOLHA - O senhor defende a política externa de George W. Bush e defendeu publicamente os "falcões"
do Partido Republicano. O sr. se considera neoconservador?
CHRISTOPHER HITCHENS - Não me
defino como neoconservador,
não acho que seja nenhum tipo
de conservador. De qualquer
forma, é uma descrição estúpida para definir os que defendem uma mudança de regime
no Iraque, no Afeganistão etc.
Você pode chamá-los do que
quiser, mas não pode chamá-los de conservadores.
Como querem mudar esses
regimes, são radicais, por definição. Dediquei um de meus últimos livros ao presidente do
Iraque, Jalal Talabani, um líder
revolucionário que liderou a resistência a Sadam Hussein por
várias décadas. É o primeiro
presidente eleito do Iraque. Tomei seu lado contra as forças do
fascismo e de Bin Laden.
FOLHA - O fortalecimento do regime iraniano é usado como exemplo
para demonstrar o fracasso da ação
americana no Iraque.
HITCHENS - O problema do Irã
não é novo. Por um quarto de
século, o país teve um regime
teocrático que falhou completamente como governo. Ele arruinou e corrompeu a sociedade iraniana e tenta compensar
isso com aventuras além de
suas fronteiras, como a tentativa de assassinar Salman Rushdie ou os líderes curdos da oposição, em Berlim.
E, claro, ao ajudar os sírios
que tentam dominar o Líbano,
além de causar problemas com
mulás reacionários, como o clérigo radical Muqtada al Sadr,
no Iraque. Esse é um problema
antigo, um desafio que ainda
não decidimos enfrentar.
FOLHA - A tensão no Oriente Médio aumentou com as ações do Hizbollah e a resposta militar israelense
no Líbano. Isso não significa que, de
alguma forma, a política externa
americana está em xeque?
HITCHENS - Não é exatamente
culpa dos EUA que o Hizbollah
esteja atuando no Líbano. Há
raízes históricas, ligações com a
população xiita na região. E, em
outro aspecto, há assassinos
que obtêm algum suporte do
governo de Bashar al Assad
[presidente sírio]. Isso não é
culpa do presidente Bush. Na
verdade, o presidente Bush tem
tido sua ação bastante limitada,
e há gente em Washington que
acha que ele deveria agir mais.
FOLHA - O sr. atacou publicamente
os críticos do presidente Bush, como
o cineasta Michael Moore. O sr. voltou a debater com ele?
HITCHENS - Michael Moore recusou todas as oportunidades
de debater comigo. Recusou
discutir comigo na TV, no rádio. Sei que ofereceram muitas
oportunidades. Debati com vários representantes dos movimentos contrários à intervenção no Iraque. Nunca recusei
esse debate. Mas, agora, eles
não desejam mais debater.
E Michael Moore sempre recusou, mesmo que tenha prometido publicamente que discutiria com quem criticasse seu
filme. Ele nem mesmo respondeu ao meu artigo.
O que eu disse é verdade, seu
filme está cheio de mentiras.
Ninguém rebateu meu ensaio,
mas isso não importa. Não ligo
se gostam ou não de mim, não
me preocupo em ser popular.
FOLHA - O sr. dedicou "Amor, Pobreza e Guerra" ao escritor Martin
Amis, que conheceu na revista
"New Statesman". O sr. conhece vários nomes da literatura britânica; o
que acha do trabalho deles?
HITCHENS - Meu próximo livro
será dedicado a Ian McEwan.
Quando tínhamos uns 26 anos,
aprendi muito com eles, sobre
escrever e sobre crítica. Também aprendi algo importante,
que não deveria fazer ficção...
Deveria me tornar ensaísta, crítico. Não tinha talento para romances. Outros grandes nomes
desse grupo são Julian Barnes,
Salman Rushdie e o poeta James Fenton. Tínhamos uma espécie de camaradagem, que
ainda perdura, mas não moramos mais na mesma cidade.
Ainda mantemos contato.
FOLHA - Qual é o tema de seu próximo livro?
HITCHENS - Acabei de escrever,
seu título é "God Is Not Great"
[Deus Não É Grande]. Faz um
ataque geral à religião, diz que
ela é uma má influência.
FOLHA - "Amor, Pobreza e Guerra"
traz o artigo em que o sr. explica seu
papel como testemunha contra a
beatificação de madre Teresa de
Calcutá. Isso lhe trouxe problemas?
HITCHENS - Não, de jeito nenhum. Muitas pessoas desejavam ouvir que havia histórias
falsas sobre ela. Meu livro "The
Missionary Position - Mother
Teresa in Theory and Practice"
[A Posição Missionária - Madre
Teresa na Teoria e na Prática]
ainda é muito popular.
Tomei como um cumprimento o fato de a Igreja Católica ter feito um convite para que
eu testemunhasse contra o processo de beatificação dela.
FOLHA - Qual é a sua opinião sobre
o papa Bento 16?
HITCHENS - É um reacionário
medíocre. Não é um homem de
idéias, é um burocrata de carreira. Não tem a autoridade
moral nem a coragem de João
Paulo 2º. Ainda não teve tempo
para mostrar se pode ser tão
popular quanto Wojtyla, mas
isso não é importante.
FOLHA - Em seu livro, o sr. aborda
Jorge Luis Borges, de quem faz um
retrato bem favorável. Mas cita elogios que ele dirigia ao general Pinochet... Até onde os escritores ou intelectuais devem participar do debate político?
HITCHENS - Na nossa cultura, os
escritores têm uma estatura
moral, mas não acho que a opinião deles tenha valor maior do
que a sua ou a minha. Sou cético em relação à idéia de escritores como celebridades. Acho
que isso tende a corrompê-los.
Um exemplo é o Nobel, que é
concedido a escritores baseado
em política. O exemplo mais
óbvio e recente é Harold Pinter,
mas Dario Fo e outros ficaram
felizes ao defender posições políticas irresponsáveis.
FOLHA - O que o sr. acha da tese
das duas esquerdas latino-americanas defendida pelo mexicano Jorge
Castañeda? Uma boa, representada
por Brasil e Chile, e outra ruim, representada pela Bolívia e a Venezuela de Hugo Chávez?
HITCHENS - Eu visitei e estudei a
Argentina há alguns anos e pude constatar o "nonsense" do
peronismo, do populismo.
Concordo com Jorge Castañeda, de que é uma má esquerda. Na verdade, não acho em
absoluto que seja uma esquerda. É um nacionalismo demagógico conquistado por meio de
votos comprados com dinheiro
público. Sempre toma uma forma anticosmopolita e antiamericana. Do ponto de vista da
história da esquerda, isso é um
caminho sem saída.
Sou um admirador de Chico
Mendes [líder do movimento
sindical de seringueiros, assassinado em 1988], por exemplo.
Lula e o PT mostraram posições internacionalistas e respeitam o debate democrático.
Isso é muito diferente de
uma pessoa como Chávez, que
presenteou os mulás iranianos
com uma estátua de Simón Bolívar, em Teerã [em novembro
de 2004]. Ele mostrou quem
são seus amigos. Não dá para
descrever os mulás iranianos
como esquerda. São de extrema
direita e atuam por meio da
corrupção e da violência.
Em outras palavras, acho que
Teerã está mais próximo do
fascismo do que do socialismo.
FOLHA - O sr. está a par das acusações de corrupção envolvendo o PT
no Brasil?
HITCHENS - Sim, acho deplorável e muito triste. Mas ainda
não vi conexões claras ligando o
presidente Lula às acusações.
Na verdade não tenho informações suficientes.
FOLHA - O sr. é ex-marxista e elogia
Trótski em seu livro. Qual a sua opinião sobre o marxismo hoje?
HITCHENS - Algumas conclusões
do marxismo me parecem
úteis. A concepção materialista
da história, o desprezo pelo sobrenatural, a antecipação da
globalização, que era inevitável... Tudo isso me parece muito útil. Mas não acho que alguém hoje ainda diria que o
marxismo vai prevalecer como
um programa para o futuro.
Acho que é cada vez mais ridículo alguém dizer que é comunista ou socialista.
FOLHA - O sr. é um autor na tradição de escritores e polemistas como
George Orwell, H.L. Mencken, Mark
Twain... O que o sr. acha da imprensa atualmente?
HITCHENS - Acho que a imprensa está se tornando um braço da
indústria de entretenimento.
Na maioria da publicações, até
no "New York Times", há uma
enorme quantidade de espaço
para o showbiz e para as celebridades. Não há cobertura séria das notícias, não há um debate de idéias. Pelo menos na
imprensa em língua inglesa,
que é o que conheço bem.
Acho que essa é uma tendência geral na maior parte do
mundo, e lamento muito. Por
causa disso, acho que há muitos
leitores que desejam algo mais
sério e mais divertido, aliás. Se
consigo me expressar bem e
atrair o público para os meus livros, é o que eu posso esperar.
É verdade que alguns de
meus artigos são polêmicos e
feitos para isso. Mas, quando
escrevo sobre Proust, Borges
ou Joyce, minha intenção é fazer as pessoas apreciarem a literatura, que é o que importa.
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