|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
tinta fresca
RENOVADORES DA PINTURA NO PAÍS,
ARTISTAS DA GERAÇÃO DOS ANOS 1980 E DA DÉCADA ATUAL FALAM DE SUAS INFLUÊNCIAS
E DO PAPEL DE DESTAQUE QUE A LINGUAGEM
GANHOU NA PRODUÇÃO ARTÍSTICA BRASILEIRA
MARIO GIOIA
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos anos 80, jovens
na faixa dos 20
anos ficaram na linha de frente da
arte brasileira e
tornaram famosa essa década
como a da retomada da pintura. Nos anos 2000, um coletivo
de jovens na faixa dos 20 anos
foi, pouco a pouco, conquistando o mercado, a crítica e o circuito das instituições.
Hoje, nomes da geração 80 e
da geração 00 partilham desse
bom momento da pintura, que
tem provocado reações positivas no meio artístico brasileiro.
A Folha reuniu para um debate sobre a pintura destacados representantes dos anos 80
-Fábio Miguez, 47, Paulo Pasta, 50, Paulo Monteiro, 48, e
Sérgio Sister, 61- e artistas
emergentes da novíssima geração, participantes do coletivo
2000 e Oito -Bruno Dunley,
25, Marina Rheingantz, 25, e
Rodrigo Bivar, 27.
No encontro, surgiram influências comuns -Matisse,
Albers, De Kooning-, mas os
novos artistas já se beneficiam
de um mercado mais estável e
da própria ascensão do trabalho dos oitentistas. "A pintura
chama uma coisa para si que é
falsa, a de ser mais afeita ao
mercado e mais fácil de ser
vendida. Isso é uma bobagem",
opina Pasta, com a concordância de seus colegas. "Eu sou um
experimental, sim."
Pasta, que reivindica maior
atenção da historiografia para
sua geração, é um dos artistas
cuja obra será catalogada pela
produtora Mó Cultural, que
planeja colocar até o fim do ano
no ar um site com sua obra e as
de Miguez, Monteiro, Rodrigo
Andrade e Ester Grinspum.
A seguir, trechos do debate.
FOLHA - Há semelhanças entre essas duas gerações de pintura. Para
parte da crítica, a geração 80 é uma
reação ao experimentalismo dos
anos 70. Nos anos 2000, a arte conceitual predomina em boa parte do
sistema institucional, e aí surge o coletivo 2000 e Oito. Como veem esses dois momentos?
PAULO PASTA - Eu, por exemplo,
pude dar aulas de pintura para
o Bruno Dunley. Eu não tive isso. Quando comecei, nos anos
80, já estava muito ligado à pintura. Acho que ela foi favorecida e fez ressurgir a arte brasileira, dentro daquele lugar estagnado no qual estava, com o conceitualismo e a ditadura.
Durante um certo tempo,
nos anos 70, a arte no Brasil virou sinônimo de luta política.
Os anos 80 tiveram essa "desopressão", essa vontade de a arte
não nascer mais do confronto
político e de poder nascer de
outras fontes. Só que a escola
onde eu estudei [ECA-USP] estava identificada com outro tipo de arte. Eu queria pintar,
mas era obrigado a não o fazer.
Aí vem essa história do experimentalismo dos anos 70... Fico me perguntando: o que é experimentalismo? Eu acho que
faço experimentalismo quando
mudo a minha escala, quando
mudo meus temas, quando faço
experiência com tons -eu sou
um experimental.
A gente tem de mudar esse
enfoque do experimentalismo,
senão vai chegar àquela história de um progresso interno da
arte, a uma espécie de teleologia. O destino da pintura vai ser
a evasão dela? O destino é a tecnologia? Havia essa certa ideologia, sim, nos anos 70, uma
crença ingênua. Essa coisa se
perdeu, graças a Deus.
PAULO MONTEIRO - Primeiro teve
a ditadura, que era barra-pesada. Não vinha nada para cá
também, as bienais estavam
empobrecidas. Embora a volta
da pintura nos anos 80 tenha
sido um lance de mercado, outras coisas centrais do Primeiro
Mundo na história da arte também foram lances do mercado.
A volta da pintura foi importante. Viu-se que um objeto duchampiano deslocado de um
lugar para o outro pode ser
muito mais reacionário do que
uma pintura.
FÁBIO MIGUEZ - Eu reivindico
um estatuto experimental para
meu trabalho. Não repito uma
exposição. É como se o experimental estivesse em vídeo ou
em outras áreas. Você pega essas últimas Bienais, por exemplo. Numa das mais recentes,
com curadoria da Lisette [Lagnado, em 2006], 90% das instalações tinham vídeo. Isso é uma
"academia".
Nessa última [no ano passado, com curadoria de Ivo Mesquita], nem tinha pintura. Se
você tem uma Bienal inteira
onde todo mundo faz vídeo, isso é uma coisa escolar.
BRUNO DUNLEY - Acho que com o
2000 e Oito é um pouco diferente. Minha formação já veio
com essa arte dos anos 60, 70.
Vejo um momento bom para as
coisas conviverem.
RODRIGO BIVAR - Quando eu tive
aula, tive com pintor, tive aula
com fotógrafo. Eu podia escolher, não tinha que responder a
nada. A gente poderia ter escolhido o vídeo, a fotografia.
FOLHA - As duas gerações se consolidaram por meio de grupos. Nos
anos 80, o Casa7; recentemente, o
coletivo 2000 e Oito. Foi mais fácil se
afirmar por meio deles?
MIGUEZ - O grupo foi fundamental. Foi uma forma de a
gente suprir a falta de escola,
algo institucional, porque ninguém fez faculdade de artes lá
no Casa7 [formado em 1982
por Miguez, Monteiro, Nuno
Ramos, Rodrigo Andrade e
Carlito Carvalhosa].
MONTEIRO - Houve uma reação
muito contrária ao Casa7 de cara. Lembro de críticas nos jornais, as pessoas falavam que era
fogo de palha, outros falavam
que era "centro de dezenovistas", os "novos dezenovistas".
Depois, houve mais troca.
BIVAR - Acho que nosso caso é
diferente do Casa7. Lá, de fato,
eles dividiam o ateliê, tinham
trabalhos similares. No 2000 e
Oito [além de Bivar, Dunley e
Rheingantz, integram o coletivo Ana Elisa Egreja, Marcos
Brias, Regina Parra, Renata de
Bonis e Rodolpho Parigi], a
gente se juntou para fazer uma
exposição. De certa forma, foi
muito mais um fenômeno de
mídia do que de crítica.
MARINA RHEINGANTZ - Ninguém
nem conhecia nosso trabalho.
PASTA - Eu e o Sérgio Sister podemos dar um depoimento diferente, porque não éramos do
Casa7. Nasci no interior, vim
para São Paulo fazer escola de
arte e queria pintar. O pessoal
com quem eu mais me identificava era com o Casa7.
SÉRGIO SISTER - Tive uma trajetória completamente autista
até 1986. Expus lá na galeria
Paulo Figueiredo, já conhecia
algumas pessoas em 1983, depois em 1986, mas acho que a
coisa mais importante foi
quando a gente se juntou em
1987, 88, aí virou um grupo.
Eram Casa7, Paulo Pasta, Laura Vinci, Célia Euvaldo, Marco
Giannotti. Era legal porque tinha uma conversa de arte.
FOLHA - E quais são as suas influências ao pintar?
MIGUEZ - Matisse foi uma das
razões que me fizeram começar
a pintar, sua obra me instigou a
pintar. Uma das primeiras coisas que me levaram para a pintura foi ver Giotto. Ele não está
tão distante de Matisse, Cézanne ou Morandi ou das coisas
mais recentes, não é?
PASTA - Acho que o pintor de
que mais gosto, o maior para
mim, é o Matisse. Se a gente
tem a ideia do Picasso como genial, o grande inventor, o grande revolucionário da forma, a
gente não pode esquecer que o
Matisse fez a mesma coisa com
a cor, houve a cor antes do Matisse e depois do Matisse.
Outro na história da pintura
é o [Pierre] Bonnard. Ele também estende esses limites da
cor. Eu gosto, tendo a me identificar muito com esses pintores que têm o tratamento da
cor. Albers, por exemplo, que
ganhou mostra no Instituto
Tomie Ohtake ["Homenagem
ao Quadrado", encerrada em
março passado], tem uma obra
muito rica para a gente.
Aqui no Brasil, gosto muito
de [Alfredo] Volpi. Foi um
grande pintor.
MONTEIRO - Eu gostava desses
caras, Gauguin, Picasso. Mais
ou menos com uns 13 anos, comecei a fazer história em quadrinhos. Adorava o cara do Pafúncio [George McManus,
1884-1954], o dos Sobrinhos do
Capitão, o R. Dirks [1877-1968],
imitava a assinatura dele. [Philip] Guston me chamou a atenção por causa disso. tinha uma
coisa de quadrinhos na pintura.
Tive uma identificação forte
com ele.
SISTER - Eu gostava muito de
Modigliani e Picasso. Gostava
de copiar aqueles pescoções do
Modigliani, gostava daqueles
olhos vazados.
RHEINGANTZ - Eu comecei copiando, colecionava rolinhos
de papel higiênico para construir umas naturezas-mortas,
pensando, talvez, nos carretéis
do Iberê [Camargo]. Não tenho
essa ligação poética que Iberê
tinha com os carretéis, era uma
coisa mais para descobrir o que
pintar mesmo, para ter o que
pintar. O [Willem] De Kooning
foi uma descoberta também. E
o Nicolas de Staël, uma relação
da paisagem com a abstração,
que me interessa muito.
BIVAR - A primeira relação com
arte que eu tive foi pelo cinema.
Quando comecei a estudar arte,
um artista que era quase que
imediatamente próximo, de
certa forma, era o [Andy] Warhol, que eu achava que era um
mundo que eu já conhecia, dominava. Mas, para mim, quem
está no trono é o [Edouard]
Manet. Quando eu comecei a
estudar arte, não gostava do
Richter [Gerhard, pintor alemão], mas é um artista de que
você não consegue fugir, aprendi a gostar da sua obra.
DUNLEY - As influências também são coisas de momento,
vão mudando. Mas as minhas
primeiras foram coisas que eu
fui vendo aqui mesmo, em São
Paulo. O que me deixava entusiasmado era arte brasileira.
Sempre acompanhei o trabalho
do Fábio, do Paulo, do Monteiro, do Sérgio. Mas quando eu
descobri a Mira Schendel, fiquei besta [risos].
FOLHA - A geração 80 reabilitou
muitos artistas brasileiros, não?
SISTER - Sim, houve uma recuperação do neoconcretismo, de
toda uma cultura que vinha da
década de 50. A Mira Schendel,
que estava praticamente abandonada, voltou a ser lembrada.
A gente se aproximou também
do Amilcar. Fizemos um livro
sobre a obra dele, na raça. Até
1990, não havia nenhum livro
do Amilcar de Castro no Brasil.
MIGUEZ - Havia também o Jorge Guinle [pintor fluminense,
1947-87]. O Jorginho fez um
trabalho acima do que nós fazíamos, o melhor dos anos 80. E
a gente começou a descobrir o
[Oswaldo] Goeldi, que foi um
cara que apareceu de novo naqueles anos.
FOLHA - E a relação com o mercado, como vocês a veem?
MIGUEZ - No momento em que
a gente surgiu, era um momento bom do mercado. Havia várias galerias em atividade, com
um certo vigor. Mas todos nós
mais velhos aqui já passamos
por momentos de crise. E a década de 90? A Folha decretava
a morte da pintura uma vez por
semana.
PASTA - A pintura chama uma
coisa para si que é falsa, que seria mais afeita ao mercado,
mais fácil de ser vendida. É bobagem, porque o que mais vende agora não é pintura.
MIGUEZ - Essa questão de a pintura ser uma coisa de mercado
não resiste a um exame básico
de números. O problema do
mercado é a fugacidade com
que as coisas são vistas hoje.
Texto Anterior: Livro colige crítica desde os anos 30 Próximo Texto: +Lançamentos Índice
|