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+Sociedade
... é a mãe!
O psicólogo cognitivo americano
Steven Pinker discute o uso
de palavrões no rádio e na TV
e a reação da censura
STEVEN PINKER
Uma palavra é um
rótulo arbitrário
-essa é a base da
lingüística. Mas
muita gente não
pensa assim. Acredita na magia
das palavras: que pronunciar
um encantamento, uma maldição ou uma oração pode mudar
o mundo. Não caçoe: você diria
"nada deu errado até agora"
sem procurar um objeto de madeira para bater?
Xingar é outro tipo de magia
das palavras.
Contrariando a lógica, as
pessoas acreditam que certas
palavras podem corromper a
ordem moral -que "mijar",
"cagar" e "foder" são perigosas
de uma maneira que "xixi",
"cocô" e "trepar" não são.
Essa peculiaridade em nossa
psicologia está na capacidade
das palavras tabus de ativar circuitos emocionais primitivos
no cérebro.
Meu interesse pelos palavrões é científico (juro!). Mas
os xingamentos não são apenas
um quebra-cabeça na neurociência cognitiva. Eles aparecem nos mais famosos casos de
liberdade de expressão do último século, de "Ulisses" e "Lady
Chatterley" a Lenny Bruce e
George Carlin [comediantes].
Por décadas, os tribunais
constantemente levaram os
censores do governo a uma
precária posição defensiva.
Em 1978, a Suprema Corte,
julgando uma transmissão
diurna do monólogo "Filthy
Words" [Palavras Sujas], de
Carlin [1937-2008], permitiu
que a Comissão Federal de Comunicações (FCC) regulamentasse a "indecência" nos programas de rádio e TV nos horários em que as crianças pudessem estar escutando.
O raciocínio, baseado em noções antiquadas da infância e
da mídia moderna, foi que os
programas transmitidos pelo
ar se intrometem sem convite
no lar e podem expor as crianças à linguagem indecente, prejudicando seu desenvolvimento psicológico e moral.
Na prática, a FCC reconheceu que o impacto das palavras
tabus depende de seu contexto.
Assim, em 2003, quando Bono, vocalista do U2, disse, em
um discurso de premiação na
TV, "isto é realmente, realmente, "fucking brilliant'" [algo como "brilhante de foder"], a
FCC não puniu a rede.
Intenção
Bono, ela comentou, não
usou "fucking" para "descrever
órgãos ou atividades sexuais ou
excretórias". Ele a usou como
"um adjetivo ou expletivo para
enfatizar uma exclamação".
Esse uso diferia do número
"patentemente ofensivo" de
Carlin, com seu "uso repetido,
pelo valor de chocar", das palavras tabus.
Mas os comissários indicados por Bush deram meia-volta
no caso e posteriormente visaram a rede de televisão Fox, depois que ela transmitiu cerimônias de premiação em que Cher
disse, sobre seus críticos, "então, fodam-se" e Nicole Richie
perguntou "por que eles a chamam de "The Simple Life'? Você já tentou tirar bosta de vaca
de uma bolsa Prada? Não é tão
"fucking simple'".
Em 2007, depois que um tribunal federal invalidou a política da FCC como "arbitrária" e
"impulsiva", a comissão apelou
para a Suprema Corte.
Foi quando eu fui arrastado
para a coisa. A FCC alegou que
"mesmo quando o orador não
pretende um sentido sexual,
uma parte substancial da comunidade (...) entenderá a palavra como carregada de conotação sexual ofensiva".
Uma denúncia apresentada no início deste ano pelo procurador-geral em defesa da posição da comissão citou meu livro
"Do Que É Feito o Pensamento" [Cia. das Letras] da seguinte
maneira: "Se você é um falante
de inglês, não pode ouvir [uma
palavra como a iniciada por efe]
sem lembrar do que ela significa para uma comunidade implícita de falantes, incluindo as
emoções ligadas a elas".
Na verdade, as palavras destacadas na denúncia eram "nigger" [preto], "cunt" [boceta] e
"fucking" [foder], e o contexto
era uma explicação de por que
as pessoas se ofendem "quando
um estrangeiro se refere a um
afro-americano como "nigger",
ou a uma mulher como uma
"cunt" ou a uma pessoa judia como um "fucking jew'".
Eu certamente não estava
afirmando que, quando os ouvintes escutam "não é tão "fucking simple'", suas mentes pensam em cópulas!
Ao contrário, eu comentava
que, com o tempo, as palavras
tabus perdem seu sentido literal e retêm apenas um colorido
emocional e, depois, apenas a
capacidade de chamar a atenção. Essa progressão explica
por que muitos falantes não
têm consciência de que "sucker", "sucks", "bites" e "blows"
[chupador, chupa, morde e sopra, usados informalmente como formas de desqualificar] geralmente se referem à felação,
ou que um "jerk" [usado como
"idiota"] era um masturbador.
Isso explica por que "Close
the fucking door" [Feche a porra da porta], "What the fuck?" [Que porra é isso?], "Holy
Fuck!" [Caramba!] e "Fuck
you!" [Foda-se] violam todas as
regras da sintaxe e da semântica inglesa.
Elas supostamente substituíram "Close the damned door"
[Feche a maldita porta], "What
in Hell?" [Que diabos?], "Holy
Mary!" [Ave Maria!] e "Damn
you!" [Dane-se] quando a profanidade religiosa perdeu a força e novas palavras tiveram de
ser recrutadas para acordar os
interlocutores.
Mercado da língua
A FCC tinha razão sobre eu
pensar que os tabus lingüísticos nem sempre são ruins. O
discurso salpicado de "fuck" fica entediante, e epítetos maliciosos podem expressar atitudes condenáveis.
Mas, em uma sociedade livre,
esses incômodos são naturalmente regulados no mercado
das reações das pessoas -como
Don Imus, Michael Richards e
Ann Coulter [radialista, comediante e analista política que
causaram polêmica por seus
comentários, respectivamente,
sexista, racista e religioso] recentemente ficaram sabendo
da maneira mais difícil.
Não está claro por que xingar
nas ondas do rádio e da TV deva
ser assunto para o governo.
De fato, já que a linguagem é
entremeada com o pensamento -o tema principal do livro
citado pelo procurador-geral-,
qualquer proibição a palavras
levará a absurdos. Veja o monólogo de Carlin. Ele mencionou a
palavra "fuck" não para descrever atividades sexuais, nem para chocar sua platéia.
Sem regulação
Carlin a citou para mostrar
como as pessoas usam palavras
tabus e para propor a discussão
de que o governo não deve regulá-las. A decisão que controlou sua linguagem restringiu a
crítica pública à própria decisão -zombando dos próprios
princípios da liberdade de expressão.
E considere o comunicado de
imprensa emitido pelo presidente da FCC, Kevin Martin,
expressando seu desprazer
quando sua decisão foi derrubada: "Hoje [o tribunal] disse
que o uso das palavras "fuck" e
"shit" por Cher e Nicole Richie
não foi indecente. (...) Eu acho
difícil acreditar que o Tribunal
de Nova York diria às famílias
americanas que "shit" e "fuck"
podem ser ditas ao vivo na televisão nos horários em que as
crianças provavelmente estão
assistindo".
Em algum lugar, George Carlin continua sorrindo.
STEVEN PINKER é professor de psicologia na
Universidade Harvard (EUA) e autor de "O Instinto da Linguagem" (ed. Martins Fontes).
Este texto foi publicado na "Atlantic Monthly".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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