|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PONTO DE FUGA
Garganta profunda
JORGE COLI
em Nova York
Thomas Adès é um jovem
prodígio. Nasceu em 1971; desde os 18 anos que suas composições são admiradas e, espantoso para obras contemporâneas, entraram para o repertório das orquestras, dos pianistas, dos quartetos de corda.
Adès surge como o sucessor de
Benjamin Britten na música inglesa. Em 1995, terminou uma
ópera, "Powder Her Face"
(Passem o Pó-de-Arroz em Seu
Rosto), apresentada há algumas semanas em Nova York e
já gravada pela EMI. História
real de uma duquesa, multimilionária e belíssima, célebre ao
ponto de ser citada numa canção de Cole Porter. Na velhice,
sem dinheiro, é expulsa de um
hotel de luxo para morrer na
miséria. Teve um divórcio rumoroso, no qual um juiz assinala "atividades sexuais nojentas" como motivo principal. A duquesa era uma perita
na prática da felação, e nenhum homem que se aproximasse dela escapava, nem mesmo seus empregados. Numa
das árias principais, ela se contenta em fazer "hmmmm,
hmmmm", porque é impossível articular palavras quando
se está com a boca cheia. Com
esse assunto escabroso, Adès
inventa uma mistura de humor, crueldade e abandono
patético. Ele vai buscar sua inspiração em Weill, no Stravinsky do "The Rake's Progress", em Berg, em Wagner,
no tango e no que mais se quiser, pondo cada nota a serviço
do teatro. Tudo soa "moderno", mas sem experiências,
com acertos seguros de quem
não busca, embora saiba encontrar.
RISO - Ótimo o balanço dos
filmes cômicos americanos do
ano que passou, em que a mistura de escatologia com uma
certa delicadeza renova o gênero. "Quem Vai Ficar com
Mary", dos irmãos Farrelly, é
o melhor exemplo, comédia
subestimada no Brasil, mas
muito inventiva e, sobretudo,
hilariante. Woody Allen também aderiu ao melhor cômico
"grosseiro" na cena da banana, em seu último "Celebrity". O paradoxo é que John
Waters, imperador absoluto da
baixaria suburbana, fez, em
"Pecker", seu último filme,
uma crônica um pouco amalucada, mas muito fina. Ele opõe
a falsa cultura sofisticada das
galerias nova-iorquinas ao
mundo ingênuo, simpático e
provinciano de Baltimore. Pecker é um adolescente obcecado, que fotografa seu bairro
-incluindo latas de lixo ou
um teatro de striptease onde as
moças são lésbicas e insultam
os homens com cara de nojo.
Ele é descoberto e quase destruído pela efervescência histérica dos promotores culturais
da grande cidade. Termina
triunfando, mas Nova York inventa um novo grande fotógrafo, bonito como um galã, e
muito original, porque completamente cego.
FLAUTA - No Metropolitan
Opera House, uma nova produção de "Lucia di Lamermoor", de Donizetti, ópera
condenada por Flaubert em
"Madame Bovary" por parecer-lhe concentrar o pior da
deliquescência romântica.
"Lucia" é espantosa, traçando os caminhos da loucura e
do feminino. Mas o espetáculo
atual, suntuosíssimo, assinado
por Nicolas Joël, não tem remédio, de tão indiferente e sem
inspiração. Resta a estréia de
Ruth Ann Swenson no terrível
papel-título. Sua voz é por ora
magnífica.
GÓTICO - Em nova edição
atualizada, pela Syracuse University Press, "Life at the Dakota", para quem quiser descobrir os segredos de um edifício singular. Stephen Birmingham escreve sem pretensões,
mas traça um panorama histórico e social muito hábil à volta
desse prédio que, de Tchaikovsky a John Lennon, passando por Polanski, Lauren Bacall, Boris Karloff e Leonard
Bernstein, concentrou fatos de
cultura de grande interesse.
Ótimo debate sobre a preservação de monumentos em Nova
York.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|