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Do "love"
à guerra
Inspirada em pop romântico, música-símbolo de "Tropa de Elite" dissemina-se em discos, celulares e estádios de futebol
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
A canção pop "Your
Love" atingiu a 6ª
posição na parada
Billboard em 1986,
ficando 22 semanas
entre os "100 mais" da lista elaborada pela revista norte-americana homônima. Desde essa
época a composição, do primeiro álbum do grupo britânico
The Outfield, não pára de nos
atravessar por ondas de rádio.
Mesmo que esses nomes não
sejam lembrados por muitos
leitores, a canção faz parte da
paisagem sonora no Brasil. E,
antropofagicamente apropriada, participa cada vez mais da
cultura do país: sua melodia é a
base do "Rap das Armas", criação de 1992 alçada a sucesso
nacional no ano passado, com o
filme "Tropa de Elite".
"Your Love", aquela do refrão "I just wanna use your love
tonight/ I don't wanna lose
your love tonight" [Só quero
usar teu amor nesta noite/ Não
quero perder teu amor nesta
noite], começa com as mesmas
notas que, nas versões em português, são cantadas com a
onomatopéia bélica "parapapapapapapapapapa".
Enquanto o pop tipicamente
oitentista falava de relações românticas de uma maneira descompromissada, o "Rap das Armas" oficial, cantado pela dupla MC Junior e MC Leonardo,
denuncia a violência. Em sua
invocação, a letra de Leonardo
anuncia que vai "falar de um
problema nacional", antes de
listar mais de 20 nomes de armas -técnicos, como M-16, ou
coloquiais, como "oitão".
Seria uma ironia? MC Leonardo diz à Folha que sua inspiração em "Your Love" foi puramente musical, e que desconhece a letra em inglês. Segundo o autor, a composição surgiu
originalmente como uma descrição das belezas do Rio de Janeiro, mas só emplacou depois
que ele acedeu à sugestão de incluir as armas na letra.
Glamourização
Simone Pereira de Sá, professora de comunicação na Universidade Federal Fluminense
que pesquisa o funk na condição de "música eletrônica popular brasileira", ri da ironia involuntária: "É a polissemia, o
deslize dos significantes, que
faz parte da história da música
"massiva", gravada. Você escreve a música com um sentido e
não sabe o que vão fazer dela".
Na controvertida reinterpretação que circulou com os milhões de DVDs piratas comercializados antes do lançamento do filme, a denúncia é deixada
de lado em favor de uma violenta e bem-humorada descrição
do conflito entre facções armadas de duas favelas.
A apropriação da canção pelos colegas de baile e pela pirataria deu azo a críticas que
põem a cultura funk no mesmo
balaio de filmes que fazem a
"estetização da violência", como "Cidade de Deus" e "Tropa
de Elite".
A teórica do funk apressa-se
em defender seu campo de estudo: "Para circular, há "estetização", de seja o que for: a política, a violência, o amor. Isso não
anula o potencial político, social, de discutir a violência", diz
Simone Sá.
Antropofagia nos une
A versão mais violenta não
prejudicou tanto Leonardo,
pois tanto ele e o irmão Junior
quanto Cidinho e Doca estão na
trilha sonora de "Tropa de Elite", que já vendeu mais de 28
mil CDs. Segundo a gravadora
EMI, já foram vendidos mais de
50 mil toques de celular com o
"Rap das Armas". Leonardo esclarece que não ficaram rusgas
entre os dois grupos.
O toque de celular pode ser
ouvido em estádios como o Morumbi, em São Paulo, onde o
deslocamento temático atingiu
um nível mais extremo.
A canção melosa, transformada em funk por um jornaleiro que admirava as paisagens
fluminenses, mas era atento à
crise social, e foi apropriada como ode à guerra do tráfico, espalhou-se por outros Estados
brasileiros como hino da guerra lúdica do futebol, entoado
pelas torcidas organizadas.
"Parapapapapapapapa clac
bum, Torcida Independente
derrubou mais um."
NA INTERNET
- Leia a íntegra deste texto e ouça
trechos de "Your Love" e "Rap das
Armas" em
www.folha.com.br/080521
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