São Paulo, domingo, 24 de maio de 1998

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O livro negro do comunismo


O filósofo Norberto Bobbio e o historiador Eric Hobsbawm debatem "O Livro Negro do Comunismo", que calcula em 85 milhões o número de vítimas do comunismo


GIANCARLO SUMMA
especial para a Folha

Não é muito frequente que uma volumosa coletânea de ensaios históricos se transforme num sucesso de vendas nas livrarias. "O Livro Negro do Comunismo" constituiu, nos últimos meses, uma exceção à regra, tornando-se um verdadeiro best seller, traduzido em 17 países. Publicado originalmente na França, "Le Livre Noir du Communisme" vendeu mais de 170 mil cópias no país. Na Itália, já esgotou a primeira tiragem de 30 mil cópias.
Fruto do trabalho de seis historiadores, o livro pretende ser o primeiro compêndio abrangente dos crimes cometidos no mundo inteiro pelos regimes comunistas -e pelos partidos e movimentos revolucionários de inspiração marxista- desde a Revolução Russa de 1917.
Ao longo de 770 páginas (na edição italiana), são contabilizados campos de extermínio, execuções, guerras e massacres de todos os tipos. Segundo as estimativas dos autores -que tiveram acesso aos arquivos da antiga União Soviética-, as ações dos comunistas teriam causado cerca de 85 milhões de mortos. Destes, a maioria teria sido na China (60 milhões de vítimas) e na ex-URSS (20 milhões). Na América Latina, os mortos teriam sido 150 mil, entre Cuba, Nicarágua e Peru.
Esta "contabilidade do horror", como foi definida por um jornalista, não chega a ser novidade e, segundo alguns críticos, contém até erros factuais. No que diz respeito à América Latina, por exemplo, é questionável a metodologia de incluir entre os mortos provocados pelo "comunismo" as vitimas da guerra civil na Nicarágua, travada na década de 80 entre o governo sandinista e os guerrilheiros "contras", financiados pelos Estados Unidos.
O aspecto do livro que causou mais polêmicas não foi o histórico, e sim o político. Segundo o organizador da obra, o historiador francês (e ex-militante comunista) Stéphane Courtois, os dados recolhidos por sua equipe demostrariam que a violência é um elementos intrínseco à ideologia e à práxis comunista. É uma teoria longe de ser inédita. Mas em seu longo prefácio Courtois vai além disso, chegando a comparar "o genocídio da raça" (o Holocausto dos judeus) perpetrado pelos nazistas ao "genocídio de classe" teorizado, segundo ele, pelos comunistas.
Considerando os números, escreveu Courtois, o nazismo foi responsável por um menor número de vítimas do que o comunismo: 25 milhões de mortos (entre os quais 6 milhões de judeus) contra 85 milhões. Por estas razões, na opinião de Courtois, deveria ser realizado um processo internacional aos "crimes comunistas contra a humanidade", nos moldes do processo de Nurembergue aos chefes nazistas.
As posições de Courtois provocaram polêmicas até entre os autores do livro. Quatro deles (incluindo Nicolas Werth, autor do ensaio principal, sobre a ex-URSS) tomaram publicamente distância do organizador.
Fora da França, as polêmicas mais duras foram na Itália, onde o antigo Partido Comunista (hoje Partido Democrático da Esquerda -PDS em italiano) está no governo; e onde há também um Partido da Refundação Comunista, com quase 10% dos votos.
A tradução italiana do livro foi lançada em março passado pela Mondadori, uma das maiores editoras do país, de propriedade do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, hoje líder do Polo, a coligação de oposição de direita. No último congresso da Aliança Nacional, o partido neofascista, Berlusconi presenteou os 5.000 delegados com o livro.
Apesar das instrumentalizações políticas, a publicação do livro desencadeou um amplo debate na esquerda italiana. Entre os ex-comunistas, o secretário-geral do PDS, Massimo D'Alema, definiu o sistema soviético como "uma forma odiosa e terrível de opressão", enquanto Pietro Ingrao, um carismático líder do antigo PCI, sublinhou as "consequências nefastas" da "interpretação da política como enfrentamento militar", típica do pensamento leninista.
"L'Unità", ex-órgão oficial do PCI e depois do PDS (hoje, o partido tem apenas 25% das ações do jornal), publicou com grande destaque entrevistas com Norberto Bobbio e Eric Hobsbawm, que o Mais! traz nesta edição. Enquanto Bobbio endossa as posições do livro, o historiador inglês rejeita com firmeza a comparação entre nazismo e comunismo e polemiza com o cientista político italiano.
Paradoxalmente, foram alguns intelectuais de formação não-marxista os mais críticos em relação às posições de Courtois. O ensaísta Furio Colombo, por exemplo, advertiu, num editorial publicado pelo jornal "La Repubblica", que a ênfase dada ao número de vítimas dos regimes comunistas pode acabar "banalizando" a tragédia do Holocausto.


Giancarlo Summa é jornalista.


Onde encomendar "Le Livre Noir du Communisme", de Stephane Courtois, Nicolas Werth, Jean-Louis Panné, Andrzej Paczkowski, Karel Bartosek e Jean-Louis Margolin (Ed. Robert Lafont, 847 págs., 189 francos), pode ser encomendado na Livraria Francesa (r. Barão de Itapetininga, 275, fundos, tel. 011/231-4555, São Paulo).
A tradução italiana, "Il Libro Nero del Comunismo" (Ed. Mondadori, 770 págs., 35.000 liras), pode ser encomendada na Livraria Italiana (av. São Luiz, 192, loja 18, tel. 011/259-8915, SP).



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