São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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Divórcio aos 30

Ruptura sem culpa

Proposta que tramita na Câmara derruba necessidade de separação prévia, um dos últimos resquícios da influência da igreja

UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

Os mais velhos ainda devem se lembrar do antigo desquite e talvez até ensaiem um "parece que foi ontem" que permitiu desfazer casamentos no Brasil.
Mas, nesses 30 anos da lei do divórcio, houve tempo suficiente para ganhar força a idéia de eliminar da legislação o que muitos consideram dois resquícios da influência católica: a obrigatoriedade da separação prévia e a discussão sobre a culpa pelo fim do casamento.
O primeiro ataque tramita na Câmara. Está na Comissão de Constituição e Justiça a proposta de emenda constitucional 33/07.
Encampada pelo deputado federal Sérgio Carneiro (PT-BA) -que não tem nenhum parentesco com o senador Nelson Carneiro (1910-96)-, suprime da Constituição o trecho que só permite o divórcio após separação prévia.
"Havia à época um moralismo a dizer que o divórcio acabaria com a família. Por isso colocaram uma etapa intermediária, mas desnecessária", diz o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFam (Instituto Brasileiro do Direito de Família).
A fase da separação pode ser cumprida de duas formas. Uma é o chamado divórcio direto, após dois anos de separação de fato. A outra é o divórcio indireto, que pode ser pedido após um ano da separação judicial.
"É um resquício da influência da igreja. Como a sugerir que as pessoas pensem bem -ou pensem muito bem- antes da extinção do matrimônio", diz Gustavo Tepedino, professor titular da Faculdade de Direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Na prática, os efeitos legais da separação judicial são os mesmos do desquite: põem fim à vida conjugal, mas não ao matrimônio; a pessoa separada, assim como a outrora desquitada, não pode se casar de novo.
Ainda que hoje a separação não faça sentido para a maioria dos especialistas, ela não impediu o impacto que a lei do divórcio teve à época.
Para o advogado Paulo Lôbo, membro do Conselho Nacional de Justiça, "a lei foi um marco da mudança paradigmática da família, cortando um dos últimos elos da família patriarcal e de sua concepção canônica (católica)".
Por isso, houve outras concessões: a princípio, o fim do casamento só poderia ser pedido após cinco anos da separação de fato ou três da separação judicial. A mudança para dois e um ano, respectivamente, é de 1989.
É do mesmo ano o "ponto de partida mais expressivo" do que o advogado Yussef Said Cahali, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, considera "uma escalada de facilitação do divórcio": o fim do divórcio único. Até então, a mesma pessoa não poderia se divorciar mais do que uma vez.
O próximo passo é o fim da separação? Para Cahali, ainda não. Mas ele sabe que é voz dissonante. O deputado Sérgio Carneiro conta que conseguiu 232 assinaturas, "sem muito esforço" (precisava de 172), para apresentar a PEC que elimina a necessidade da separação.
As críticas à separação vão de sua inefetividade (a maior parte dos casais que a pedem não se reconcilia) ao seu custo financeiro desnecessário, passando pelo custo social.
A desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFam, vai além: "Se duas pessoas querem se separar, o Estado não pode obrigá-las a ficar juntas". Com base na Constituição, ataca também a discussão da culpa pelo fim do casamento. "A investigação da culpa viola o princípio da intimidade, da privacidade", diz.
Gustavo Tepedino está de acordo. Para ele, a culpa "é o aspecto mais ultrapassado da lei do divórcio. Originalmente, o cônjuge culpado não poderia ter a guarda dos filhos, perdia o direito a pleitear alimentos / e não podia usar o sobrenome do outro. Hoje, esses efeitos se reduziram substancialmente".
O IBDFam, que apóia a PEC pelo fim da separação judicial, está elaborando um Estatuto da Família que, entre outros aspectos, tentará eliminar a discussão sobre culpa.
"Buscar um culpado pelo fim do casamento vai na contramão dos tempos. Até incentiva o litígio, que se torna uma verdadeira história de degradação do outro", diz o presidente do IBDFam, Rodrigo da Cunha Pereira.
Enquanto isso, os especialistas comemoram a lei 11.441/2007, que permite o divórcio extrajudicial. Mesmo quem defende a discussão sobre a culpa, como o advogado Francisco José Cahali, celebra a medida. "Poucos países têm a separação e o divórcio pela via administrativa. Estamos na ponta, e não ultrapassados", diz.


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