|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ autores
O odor da carne
Textos sobre
arte de Huysmans, que acompanhou o ápice do impressionismo, são relançados na França
PHILIPPE DAGEN
Como a maioria dos
grandes críticos de
arte, Huysmans só o
foi porque foi primeiro escritor, como
Baudelaire e como Zola, aos
quais rende homenagem ocasional em seus artigos. E Huysmans dedica a obras e artistas
passados e presentes um amor
tão intenso quanto o deles.
Entre uns e outros, ele escolhia com a mesma liberdade,
sem deixar-se impressionar
pelas reputações ditadas por
historiadores e modismos.
Assim, ele pode ser com o
mesmo vigor descobridor estarrecido de Grünewald e admirador entusiasta de Degas. E
pela mesma razão: tanto um
quanto outro cristalizaram
suas épocas, os usos e costumes
delas, suas crenças e suas paixões em formas artísticas tão
singulares quanto eram suas
próprias épocas.
Assim, Huysmans não acredita em cânones eternos ou em
qualquer outro ideal.
Os "Écrits sur l'Art - 1867-1905" [Escritos sobre a Arte,
ed. Bartillat, 598 págs., 40 euros, R$ 110], de Huysmans, que
reaparecem agora em nova edição com o acréscimo de textos
encontrados em jornais e revistas, cumprem três tarefas inseparáveis. A primeira, necessária e perigosa, é de limpeza do
que é supérfluo.
Na Paris dos anos 1870 e
1880, era preciso derrubar como monumentos de gesso as
glórias instaladas do Salão e do
Instituto, esses acadêmicos e
bombeiros que eram os oficiais
intolerantes e adulados da época. Huysmans dispara sua metralhadora. Merson, Ponsan,
Lefebvre, Gérôme, Baudry:
"Coisas sem conteúdo, diluições de mestres do pincel".
O sistema que os protege e
promove é definido em poucas
palavras: "A imbecilidade de
um lado, a covardia do outro.
Imbecilidade para as pessoas
do mundo. Covardia da imprensa que as dirige". Juntos,
eles produzem o que Huysmans odeia mais do que tudo, o
ecletismo versátil e cômodo:
"Não se possui talento verdadeiro se não se ama apaixonadamente e não se odeia com a
mesma intensidade".
Tendo definido claramente
sua posição, ele pode começar a
argumentar em favor daqueles
que ele sabe que, ao final, acabarão superando os fabricantes
de imagens piedosas, mitológicas ou históricas: os pintores da
vida moderna ou, em outras
palavras, o impressionismo.
Mas Huysmans não os vê como grupo a ser defendido por
inteiro, como tal.
Estilo próprio
Os paisagistas podem seduzi-lo de quando em quando, mas
nem Monet nem Pissarro
-mesmo que lhe ocorra tecer
elogios a essa ou àquela de suas
telas- o cativam tanto quanto
Degas, com suas cenas de interior, de mulheres se embelezando, seus ensaios de dança,
seus cafés-concerto.
E, assim como Degas inventou uma nova maneira de desenhar e de pintar para o mundo
contemporâneo, confinado nas
cidades e iluminado por lâmpadas a gás, Huysmans criou seu
estilo próprio, com vocabulário
repleto de precisão e de variedade que misturava termos especializados e gírias.
Da arte antiga, Huysmans
destaca apenas as obras que,
cada uma segundo as exigências dos tempos, comprovaram
possuir as mesmas qualidades
do realismo. Em lugar da Itália,
ele prefere o norte de Bosch e
de Rembrandt, de Brueghel e
de Hals, que é também aquele
de Ensor e de Rops: "Os primitivos de Flandres foram os
maiores pintores do mundo".
Ele sobe o rio Reno, e, em
1888, descobre Grünewald no
museu de Kassel. Em 1905, um
de seus últimos livros será dedicado a ele. Mas Huysmans o
celebrou, já em 1891, num romance, "Lá-bas".
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
francês podem ser encomendados
no site www.alapage.com
Texto Anterior: Furto levou livro e gravuras Próximo Texto: O império do efêmero Índice
|