São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ autores

O odor da carne

Textos sobre arte de Huysmans, que acompanhou o ápice do impressionismo, são relançados na França

PHILIPPE DAGEN

Como a maioria dos grandes críticos de arte, Huysmans só o foi porque foi primeiro escritor, como Baudelaire e como Zola, aos quais rende homenagem ocasional em seus artigos. E Huysmans dedica a obras e artistas passados e presentes um amor tão intenso quanto o deles.
Entre uns e outros, ele escolhia com a mesma liberdade, sem deixar-se impressionar pelas reputações ditadas por historiadores e modismos.
Assim, ele pode ser com o mesmo vigor descobridor estarrecido de Grünewald e admirador entusiasta de Degas. E pela mesma razão: tanto um quanto outro cristalizaram suas épocas, os usos e costumes delas, suas crenças e suas paixões em formas artísticas tão singulares quanto eram suas próprias épocas.
Assim, Huysmans não acredita em cânones eternos ou em qualquer outro ideal. Os "Écrits sur l'Art - 1867-1905" [Escritos sobre a Arte, ed. Bartillat, 598 págs., 40 euros, R$ 110], de Huysmans, que reaparecem agora em nova edição com o acréscimo de textos encontrados em jornais e revistas, cumprem três tarefas inseparáveis. A primeira, necessária e perigosa, é de limpeza do que é supérfluo.
Na Paris dos anos 1870 e 1880, era preciso derrubar como monumentos de gesso as glórias instaladas do Salão e do Instituto, esses acadêmicos e bombeiros que eram os oficiais intolerantes e adulados da época. Huysmans dispara sua metralhadora. Merson, Ponsan, Lefebvre, Gérôme, Baudry: "Coisas sem conteúdo, diluições de mestres do pincel".
O sistema que os protege e promove é definido em poucas palavras: "A imbecilidade de um lado, a covardia do outro.
Imbecilidade para as pessoas do mundo. Covardia da imprensa que as dirige". Juntos, eles produzem o que Huysmans odeia mais do que tudo, o ecletismo versátil e cômodo: "Não se possui talento verdadeiro se não se ama apaixonadamente e não se odeia com a mesma intensidade".
Tendo definido claramente sua posição, ele pode começar a argumentar em favor daqueles que ele sabe que, ao final, acabarão superando os fabricantes de imagens piedosas, mitológicas ou históricas: os pintores da vida moderna ou, em outras palavras, o impressionismo. Mas Huysmans não os vê como grupo a ser defendido por inteiro, como tal.

Estilo próprio
Os paisagistas podem seduzi-lo de quando em quando, mas nem Monet nem Pissarro -mesmo que lhe ocorra tecer elogios a essa ou àquela de suas telas- o cativam tanto quanto Degas, com suas cenas de interior, de mulheres se embelezando, seus ensaios de dança, seus cafés-concerto.
E, assim como Degas inventou uma nova maneira de desenhar e de pintar para o mundo contemporâneo, confinado nas cidades e iluminado por lâmpadas a gás, Huysmans criou seu estilo próprio, com vocabulário repleto de precisão e de variedade que misturava termos especializados e gírias.
Da arte antiga, Huysmans destaca apenas as obras que, cada uma segundo as exigências dos tempos, comprovaram possuir as mesmas qualidades do realismo. Em lugar da Itália, ele prefere o norte de Bosch e de Rembrandt, de Brueghel e de Hals, que é também aquele de Ensor e de Rops: "Os primitivos de Flandres foram os maiores pintores do mundo".
Ele sobe o rio Reno, e, em 1888, descobre Grünewald no museu de Kassel. Em 1905, um de seus últimos livros será dedicado a ele. Mas Huysmans o celebrou, já em 1891, num romance, "Lá-bas".

Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.


ONDE ENCOMENDAR - Livros em francês podem ser encomendados no site www.alapage.com



Texto Anterior: Furto levou livro e gravuras
Próximo Texto: O império do efêmero
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.