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NAZISMO
Rompimento com Hitler
Existem encontros na vida em
que um gesto significa mais do
que palavras. No final de novembro de 1938, Hitler inaugurou na
Casa de Arte Alemã uma exposição de arquitetura e proferiu um
discurso diante de um grande público. Deteve-se no fato de que a
arquitetura alemã, no passado,
havia deixado de lado a grandiosidade. Chamou a atenção para a
catedral de Berlim, a maior igreja
da cidade, que fora construída para apenas 2.500 visitantes. A cidade de Berlim, com seus 4 milhões
de habitantes, deveria ter construído uma catedral para 100 mil
pessoas.
Poderia ter retrucado a Hitler
que ele não tinha noção do espírito e do caráter de uma comunidade religiosa, que expressa sua essência na convivência estreita de
seus membros, não em assembléias de massa. Poderia também
ter respondido, o que ele próprio
deveria saber, que no tempo em
que a catedral fora construída ainda não se conheciam alto-falantes. Mesmo um pregador com a
mesma força de voz de Hitler não
teria conseguido atingir os ouvidos de 100 mil pessoas ao mesmo
tempo.
Estava sentado na segunda fileira, bem em frente a Hitler, que falava na tribuna. Todo o auditório
aplaudia, como possesso, suas palavras. Cruzei meus braços ostensivamente e apenas olhei Hitler
no rosto. Captou meu olhar e ficou visivelmente incomodado.
Todos os anos o Reichsbank organizava uma festa de Natal para
os funcionários. O presidente
sempre participava e proferia um
discurso. Havia anos o Partido se
esforçava, e naturalmente não
sem resultados, para conquistar
para si os funcionários do Reichsbank e doutriná-los na chamada
ideologia nacional-socialista. Anteriormente já havia sugerido aos
jovens que celebrassem o Natal
não apenas com representação
mundana, mas que se lembrassem de que a festa de Natal para
nós era a celebração da antiga e feliz união milenar de fé cristã e índole germânica, na qual se baseava toda a nossa cultura. Então, no
Natal de 1938, fiz um discurso aos
jovens no qual falei dos acontecimentos do 9 de novembro. Disse:
"O incêndio criminoso das sinagogas, a destruição e pilhagem de
estabelecimentos judaicos e o
mau-trato de cidadãos judeus foram ações tão criminosas que
qualquer alemão decente tem de
ficar ruborizado de vergonha. Espero que nenhum de vocês tenha
participado de tais atos. Mas, caso
alguém o tenha feito, aconselho-o
urgentemente a se retirar do
Reichsbank. Aqui não temos lugar para pessoas que não respeitem a vida, a propriedade e a convicção alheias. O Reichsbank está
baseado em fidelidade e crença".
Inúmeros chefes de Partido estavam presentes ao discurso.
A última reunião de gabinete do
governo se realizou em 4 de fevereiro de 1938 e nunca teve uma sequência. Consistiu unicamente da
comunicação de que o brigadeiro
Von Fritsch cometera delitos, sobre os quais Hitler no momento
não poderia fornecer detalhes.
Nunca houve explicação. A reunião de gabinete anterior, em dezembro de 1937, havia discutido o
Código Penal, no qual foi incluído
o conceito jurídico de "sentimento popular saudável" que posteriormente seria utilizado para o
julgamento da condenabilidade.
Fui o único membro do gabinete
a tomar a palavra e expor:
"Se o senhor quer utilizar esse
"sentimento popular saudável" como decisivo para sentenças de tribunais, senhor chanceler, então
recomendaria que fosse formada
uma comissão, com membros
competentes de todas as partes do
Reich, que decida o que é "sentimento popular saudável", pois esse é muito variável. Em certas regiões rurais, por exemplo, faz parte do "sentimento popular" que o
futuro marido se certifique antes
do casamento da capacidade de
procriação de sua futura esposa.
Em outras regiões da Alemanha,
o sexo antes do casamento não
corresponde absolutamente ao
"sentimento popular'".
Curiosamente, Hitler respondeu a essa observação:
"O senhor pode ter razão. Talvez possa se pensar na criação
dessa comissão".
O memorando do Reichsbank,
no qual pedíamos a interrupção
dos gastos desmedidos com armamentos, foi encaminhado a
Hitler em 7 de janeiro de 1939,
sem que tivéssemos qualquer notícia sobre seu resultado. A única
coisa, que nos foi transmitida por
subalternos, foi que Hitler, ao ver
as oito assinaturas, exclamou: "Isto é motim!".
Hitler sempre tentou impedir
que vários ministros ou outros
colaboradores se encontrassem
para discussão dos problemas públicos.
Posteriormente, instruiu seus
ministros formalmente por escrito que não se encontrassem sob
hipótese alguma para discussões.
Temia, senão conspirações, um
protesto em conjunto. Tanto mais
irritou-o a visão das oito assinaturas no memorando do Reichsbank.
(...)
No dia 19 de janeiro de 1939,
quando cheguei tarde em casa,
encontrei uma série de recados telefônicos e telegráficos para que
fosse na manhã seguinte, pontualmente às 9h, à chancelaria do
Reich. Na manhã seguinte, o horário foi adiado por telefone para
às 9h15. Nessa hora, mal havia
chegado ao grande salão do jardim da chancelaria, quando o
Führer entrou e se desenrolou a
seguinte conversa:
"Mandei chamá-lo, sr. Schacht,
para entregar-lhe seu documento
de demissão do cargo de presidente do Reichsbank".
Entregou-me em silêncio o papel, que segurei sem olhar.
"O senhor não se enquadra em
todo o contexto nacional-socialista."
Silêncio de minha parte e breve
pausa. "O senhor se negou a submeter seus funcionários ao controle político do Partido."
Silêncio de minha parte e breve
pausa, nervosismo crescente de
Hitler.
"Criticou e condenou os acontecimentos de 9 de novembro diante de seus funcionários."
Não respondi às primeiras frases de Hitler porque concordava
com sua observação de que não
me enquadrava no contexto do
Partido. Por conseguinte, havia
comunicado e justificado reiteradas vezes perante Hitler que não
deixaria que meus funcionários
fossem submetidos à crítica do
Partido. Explicara que precisava
escolher meus funcionários para
executar a tarefa confiada a mim.
Não considerava, portanto, necessário voltar a esse ponto. Depois que Hitler aludiu à festa de
Natal de meus funcionários, coloquei em minha resposta todo o
sarcasmo disponível: "Se eu soubesse que o senhor, meu Führer,
aprova esses acontecimentos, teria me calado".
Essa resposta perturbou Hitler
visivelmente, de modo que se calou. Balbuciou: "Estou muito agitado para poder continuar falando com o senhor agora".
"Posso voltar quando o senhor
se acalmar."
"E o que o senhor acredita, sr.
Schacht, não vai acontecer. Não
haverá inflação."
"Seria muito bom, meu Führer."
Sem dizer mais nada, acompanhou-me por dois aposentos até a
porta de saída, onde me despedi.
No decorrer do dia, Hitler deve
ter refletido como iria justificar
minha saída do Reichsbank publicamente. Como fiquei sabendo
pela chancelaria, uma carta de
despedida já escrita com teor
muito violento foi abrandada no
decorrer do dia e expressava até
que Hitler desejava continuar utilizando-se de minha consultoria.
Por essa razão também não aconteceu a revogação do cargo de ministro sem pasta.
Nos dias seguintes, realizei minha mudança da residência oficial
do Reichsbank para uma casa
própria em Charlottenburg, que
havia passado a ser meu endereço
comercial para os assuntos do
cargo de ministro sem pasta. Com
isso renunciava a qualquer representação oficial; nunca mais fui
chamado na qualidade de ministro sem pasta.
Tradução de Tereza M. Souza de Castro.
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