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Uma viagem a São Paulo
AUTOR DO MANUSCRITO INACESSÍVEL ATÉ AGORA, O INGLÊS WILLIAM HENRY MAY FOI O SEGUNDO ESTRANGEIRO A DEIXAR
UM REGISTRO DETALHADO DE SUA VISITA À REGIÃO
Jean Marcel Carvalho França
especial para a Folha
Em 1924, num pequeno livro intitulado "Non Ducor,
Duco - Notícias de São Paulo, 1565-1820", o historiador A.E. Taunay, a quem devemos a divulgação de
uma parte significativa dos relatos de viagem sobre o
Brasil hoje conhecidos, asseverava que acerca de São
Paulo colonial não havia mais do que cinco narrativas de estrangeiros, praticamente todas do período
joanino: a do inglês John Mawe, que esteve na cidade
em novembro de 1807, quando já se fazia sentir a
abertura do Brasil ao mundo não-português; a do
sueco Gustav Beyer, que por aqui passou em 1813; a
dos renomados naturalistas alemães Spix e Martius,
visitantes de 1815; e a do conhecido viajante francês
Auguste de Saint-Hillaire, cuja passagem pela região
data de 1819.
Antes da primeira década do Oitocentos, a cidade
lamentavelmente não recebeu um único estrangeiro
que deixasse registrada a sua visita. Fato bastante
compreensível quando levamos em conta que, diante das enormes restrições impostas por Portugal aos
que passavam pelos portos brasileiros -proibição
de desembarque noturno, vigilância por escolta policial, restrições aos passeios em terra etc.-, seria
quase impossível a um não-lusitano deslocar-se a
uma urbe situada a mais de dez léguas da costa, no
alto de uma serra de difícil acesso e com a reputação
de não ser muito hospitaleira. Destarte, as poucas
menções a São Paulo que encontramos na literatura
de viagens anterior a 1807 -Dionigi de Carli e Michael Angelo de Gualtini (1666), François Froger
(1686-87), François Coreal (1685), William Dampier
(1699), Parscau Du Plessix (1711), George Anson
(1740) e Louis Antoine Bougainville (1767)- não
passam de registros de boatos que circulavam pelas
cidades costeiras do Brasil.
A exceção seria François Coreal, que diz, na sua
narrativa publicada em Amsterdã em 1722, ter visitado a cidade por volta de 1685. Todavia pairam muitas
dúvidas sobre a existência desse aventureiro e sobre
a autenticidade do seu relato, que mais parece uma
montagem, elaborada por algum hábil editor holandês, de várias narrativas de viagens publicadas na
Europa ao longo do século 17 e no início do 18.
Coube, pois, como diz Taunay, a John Mawe apresentar a "verdadeira" São Paulo ao mundo civilizado
e, depois dele, meia década depois, para sermos exatos, coube ao sueco Beyer reforçar as suas informações. O que Taunay não teve oportunidade de saber,
todavia, foi que, pouco tempo depois de Mawe, em
abril de 1810, um outro britânico curioso, de nome
William Henry May, esteve na cidade de São Paulo,
em companhia do então cônsul britânico James
Gambier, e também deixou um registro detalhado
da sua visita.
Tal registro, um manuscrito intitulado "Journal of
William Henry May, of His Travels, in Company
With sir James Gambier, from Botafogo Bay to the
South of Brazil" [Diário de William Henry May, de
Suas Viagens, na Companhia do sir James Gambier,
da Baía de Botafogo ao Sul do Brasil], infelizmente
permaneceu desconhecido e inacessível até agora,
ainda que venha mais de uma vez mencionado
("Journal, Ms.") no terceiro volume do conhecido
"História do Brasil (1810-1819)", do inglês Robert
Southey.
Graças, no entanto, à erudição e ao empenho do bibliófilo José Mindlin, a quem tanto deve a historiografia brasileira, os originais do manuscrito de May
vieram parar em terras brasileiras e serão em breve
publicados na íntegra pela editora José Olympio. O
Mais! publica abaixo, em primeira mão, como uma
homenagem ao 450º aniversário da cidade, algumas
passagens desse precioso relato. O leitor terá, assim,
a oportunidade de conhecer uma das primeiras descrições do caminho da serra do Mar e da cidade de
São Paulo a "desembarcar" em solo europeu.
Jean Marcel Carvalho França é professor de história na Universidade Estadual Paulista, em Franca (SP). É autor de "Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista" (Imprensa Nacional/Casa da Moeda) e "Outras Visões do Rio de Janeiro Colonial" (ed. José Olympio).
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