São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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Ponto de fuga

Ar puro

A intensa poesia dos quadros de George Stubbs vem de sua submissão minuciosa àquilo que observa; são nuanças obtidas com amor


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Na segunda metade do século 18, a boa sociedade descobria, com embevecimento, os prazeres da comunhão com a natureza. Rousseau teorizava, lírico, sobre as virtudes morais da simplicidade campestre.
Maria Antonieta brincava de camponesa em sua aldeia artificial no parque de Versalhes. A Inglaterra, mais discreta, menos afetada, instituía a "country life", verdadeiro estilo de vida, cuja grande expressão literária se encontra nos romances de Jane Austen.
Foi quando viveu George Stubbs , pintor desse mundo, especialista em animais -cães e cavalos, sobretudo.
Trazia-os sempre para o primeiro plano, em frisa, para que os olhos reconhecessem com prazer a pelagem aveludada, o porte elegante, a musculatura nervosa ou maciça. A Frick Collection, de Nova York, consagra uma pequena retrospectiva a Stubbs, muito estimulante, com obras bem escolhidas.
Seus animais são sempre indivíduos singulares. Deviam ser exibidos com orgulho pelos proprietários, e os quadros lhes registravam o aspecto. Por exemplo, uma admirável égua de corrida, com o jóquei em frente dela, segurando-a pelas rédeas.
Os seres humanos surgem no mais das vezes como acessórios destinados a assinalar a escala dos bichos. Um touro imenso é visto ao lado de um homem pequenino, com um galo entre os dois para que se perceba a boa proporção.
Todo esse caráter documental parece indigno das concepções mais elevadas de arte. Foi criticado no seu tempo por seu excesso de fidelidade aos modelos. Dizia-se que era subserviência ao real, reprodução mecânica.

Fantasmas
A crítica que se fazia a Stubbs é nevrálgica. As artes visuais do Ocidente centram-se na imitação, princípio que viria a ser abalado apenas no século 20. A habilidade em produzir semelhanças era então um trunfo essencial dos pintores.
Imitar não bastava, porém.
Para que a arte surja, é preciso a invenção, meio pelo qual as faculdades criadoras dos artistas intervêm. Esse debate sobre imitação e invenção se acirra com o surgimento da fotografia, décadas depois da morte de Stubbs: ela foi considerada como mera reprodução mecânica do mundo visível.
Stubbs não teria respeitado o equilíbrio necessário entre imitação e invenção.
Ocorre, porém, que uma pura imitação é impossível. A intensa poesia dos quadros de Stubbs vem de sua submissão minuciosa àquilo que observa. São nuanças amorosamente obtidas, são atmosferas suavíssimas.
Além disso, a natureza de Stubbs nem é tão natural assim: os animais posam, como para um retrato, calmos e compassados.
Mesmo nos raros casos de agitação, como em cenas de caçada, é evidente que o artista compõe, organiza, transpõe na tela seus animais e personagens a partir de estudos cuidadosos.

Dramas
Stubbs exprimiu também a romântica sensibilidade inglesa do século 18. Pintou leões que atacam esplêndidos cavalos; um soberbo quadro exótico mostra um cervo e um leopardo acompanhados por indianos de turbante.
Clint Eastwood, grande amador de pintura, atribui poderes metafísicos a Stubbs em seu filme "Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal".

Solar
Henry Clay Frick [1849-1919] foi um magnata do carvão e do aço. Reuniu uma coleção de obras de qualidade excepcional: três Vermeer (bela proporção, para um artista do qual se conhecem apenas 42 telas!), Renoir, Monet, Goya...
É inútil enumerar.
Seu palácio e suas obras formam hoje um museu muito requintado em Manhattan.

jorgecoli@uol.com.br


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