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Ponto de fuga
Céu cor de chumbo
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
No final do ano passado, filas enormes se formavam diante do
Grand Palais, em Paris. A multidão aguardava para ver uma exposição consagrada ao tema da melancolia.
Esperanças, forças em direção a um belo
futuro, experiências que exaltam a alma, erros enérgicos, cabeçadas, tudo isso talvez
tenha permanecido para trás, em outros
tempos, que a lembrança torna tão ensolarados. Hoje, é a vez da melancolia, de seu
sucesso; quem se abalaria para mostras, livros, ciclos de conferência, por exemplo,
sobre a esperança? Não tantos, certamente,
não tantos. As épocas possuem seus estados de alma.
A Antigüidade e o Renascimento atribuíram à melancolia poderes criadores: ela seria o temperamento próprio aos gênios, aos
filósofos, aos políticos, aos poetas e artistas
mais altos. Teólogos cristãos descobriram
nela um bloqueio demoníaco, que impediria o contato com Deus. Esse diabolismo da
melancolia não foi definitivo, como comprova a iconografia do Cristo melancólico,
freqüente no século 15. A medicina moderna rebatizou-a com nomes técnicos. Variou segundo os momentos e os enfoques,
mas nunca se interrompeu. Ela vibra mais
agora, nestes climas de disforia.
A representação canônica do melancólico foi fixada pelos gregos: o rosto apoiado
na mão, e o cotovelo sobre o joelho; arquitetura corpórea que busca sustentar o corpo inerte.
Nos olhos fixos, o mundo se dissolve.
Fastio
O sucesso de uma exposição não basta
como critério de sua qualidade. A mostra
sobre a melancolia tinha um subtítulo: "Gênio e Loucura no Ocidente". Mas o vínculo, assinalado pelos pensadores clássicos, entre criação e estados macambúzios não foi explorado. A palavra loucura causa impacto, mas é imprecisa e geral.
As mostras do Grand Palais são destinadas ao "grande público", e sua qualidade é
medida pelo número de entradas. Nessa
"Melancolia", o que se fez foi juntar, sem rigor e aprofundamento; no pior espírito "pós-moderno", o que se fez foi ajuntar
obras soberbas, embora muitas só tivessem
uma relação remota com o tema, e faltassem vertentes inteiras de reflexão. Pontos como a especificidade do tédio romântico
ou o aporte do existencialismo foram sobrevoadas mal e mal.
Decadismo
Há um poema de Kaváfis [1863-1933] intitulado "À Espera dos Bárbaros". Imagina
fastos bizantinos em um império portentoso e esgotado. Na ágora, todos esperam. Os senadores não legislam mais. O imperador
sentou-se no trono, diante da grande porta,
com sua coroa solene. Os pretores estão ricamente vestidos, carregados de jóias e de insígnias. Todos esperam a chegada dos
bárbaros invasores para submeterem-se a
eles. Mas a noite cai e os bárbaros não chegam; é bem possível nem mesmo existam
mais bárbaros. "Sem bárbaros, o que será
de nós?", pergunta, inquieto, o poema.
O último verso responde: "Ah! eles eram
uma solução".
Home
As perspectivas se embaçaram. É difícil
perceber os longes. As ações não vão além
de um sentido curto. Como máquinas que
encontrassem sua razão de ser nos próprios movimentos, não naquilo que produzem. Enquanto isso, à volta, desastres, calamidades, violências coletivas e enormes. A melancolia de hoje brota, talvez, dessa junção entre o esgotamento dos sinais e o cataclismo que ronda, temido e, quem sabe, desejado também.
Essa tristeza perpassa um filme como
"Munique", em que as razões políticas se
mudam em vendeta, atropelam os sentimentos humanos, levam àquilo que, para
Steven Spielberg, traz a experiência mais
constante da angústia e da melancolia: a
perda do lar, da casa, do refúgio.
É o início dos anos de 1970 e o ponto inicial de uma escalada feroz entre israelenses e palestinos. Cada um, cada lado, tem suas
razões, suas convicções, seus argumentos.
Eles são gerais, porém, e sofrem à prova
concreta dos laços afetivos que chegam a se
formar mesmo entre inimigos. Com a alma
arruinada, o agente, encarnado pelo frágil e
admirável Eric Bana, termina por desistir.
O último plano se fixa na paisagem de Nova
York, cheia de arranha-céus. No meio deles, as torres gêmeas.
Jorge Coli é historiador da arte.
e-mail: jorgecoli@uol.com.br
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