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Em "Contra-História da Filosofia", Michel Onfray faz um tratado raivoso e provocativo desde os pré-socráticos
Demagogia do pensamento
ROGER-POL DROIT
O projeto era bom: tirar da sombra um exército de pensadores esquecidos, marginais e excluídos da academia; mas o resultado foi desastroso
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Ser ateu. Recusar a se deixar
enganar pelos clérigos, sejam
quais forem. Viver em seu
corpo, pelo desenvolvimento
da própria vida, por sua verdadeira
intensidade. Dissipar a ilusão de
uma alma separada da carne, afastar
a fábula de uma sobrevida eterna.
Buscar os prazeres, multiplicá-los,
combiná-los, refiná-los. Afirmar
que, apesar de tudo, uma moral é
possível. Combater a renúncia sob
todas as formas. Agir e pensar sempre como libertino, mais que devoto,
como rebelde mais que escravo.
Em torno dessas opções se organizam, de geração em geração, as trajetórias de alguns pensadores e artistas. Essas opções fundamentais
comprometem a vida cotidiana assim como as preferências teóricas. É
uma maneira essencial de ser filósofo, embora segundo as evidências
existam outras. Há cerca de 15 anos
Michel Onfray a reivindica. Ele não é
o único, mas nem todos aprovam,
nem de longe, as conseqüências que
ele extrai delas, a violência militante
que ele mobiliza para defendê-las.
Pois nada obriga, quando se é ateu,
a considerar débeis os que crêem em
Deus. Nada obriga, quando se é materialista, a considerar que todos os
outros são imbecis e, além disso, necessariamente reacionários. Mas é o
que faz, cada vez mais grosseiramente, esse escritor que conhecemos, outrora, bem mais elegante.
Os primeiros volumes de sua
"Contre-Histoire de la Philosophie 1
e 2" (Contra-História da Filosofia,
vols. 1 e 2, Ed. Grasset et Fasquelle,
330 págs. e 340 págs., 20,90 euros/R$
53 cada um) testemunham abundantemente essa crispação.
O projeto era bom: tirar da sombra
um exército de pensadores esquecidos, excluídos do panteão acadêmico, desenhar com sua coorte reunida
uma face oculta do Ocidente, a história de uma filosofia diferente, geralmente desprezada. O resultado é
desastroso. Em vez do que poderia
ser um panfleto curto, incisivo e estimulante, foram anunciados seis volumes (!). Os dois primeiros são um
mau prenúncio dos demais: muitos
dados arquiconhecidos, alguns erros terríveis e, principalmente, uma
superdose de provocação simplista e
de perspectivas falseadas.
Repetição
Passemos ao arquiconhecido. Afinal, é bom repetir, mesmo de segunda ou terceira mão, que os sofistas
gregos não são tão estúpidos e cúpidos quanto Platão quer dar a entender ou que Demócrito, convencionalmente classificado entre os "pré-socráticos", é um filósofo contemporâneo de Sócrates, autor de uma
obra bem mais importante e acessível do que se diz.
Alguns erros assustadores são
muito mais desagradáveis, sobretudo quando se joga a tal ponto com
um reparador de erros e provedor
de lições. "Desde o século 5º da era
comum, o grego não é mais falado
por ninguém", diz. No entanto é publicamente notório que naquela
época, e até boa parte do século 6º,
obras consideráveis foram escritas
em grego por filósofos renomados,
notadamente Proclo, Hierócles, Damáscio, Simplício.
Sejamos generosos. Admitamos
que todos têm o direito de errar. Invoquemos ainda a liberdade de expressão diante de certas caricaturas:
as "águas viscosas" do pensamento
de Pascal, as "nocividades" de Platão. É mais difícil ficar calmo diante
da vontade demonstrada de "purificar desses miasmas o ensino da filosofia na última série do secundário".
Decididamente, para travar sua
guerra ideológica, Onfray inventa do
nada uma filosofia supostamente
dominante, a ser combatida por todos os meios.
Toda a história, nessa fábula, se resume à luta de dois campos: materialistas contra idealistas, amigos do
corpo contra inimigos do corpo. Os
primeiros são gentis, progressistas,
lúcidos e insubmissos, e perderam a
batalha do ensino oficial.
Os idealistas, mistificados e mistificadores, amigos da ordem estabelecida, apóiam as potências dominadoras e controlam a universidade.
Diante dessa fantasmagoria, várias
possibilidades: como essas paleobobagens foram melhor formuladas
por Lênin e Stálin, é melhor preferir
o original à cópia; lembrar que o materialismo é estudado há décadas, na
Sorbonne e em outros lugares, e foi
até amplamente dominante; arranjar tudo numa gaveta rotulada com
esse velho termo grego que todo
mundo compreende: demagogia.
Onde encomendar
Livros em francês podem ser encomendados na livraria Francesa (0/ xx/11/ 3231-4555) ou no site www.alapage.com
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Contre-Histoire de la Philosophie 1 e 2
330 págs. e 340 págs., 20,90 euros, R$ 53 (cada um)
de Michel Onfray. Ed. Grasset et Fasquelle
(França)
Onde encomendar
Livros em francês podem ser encomendados na livraria Francesa (0/ xx/11/ 3231-4555) ou no site www.alapage.com.
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