São Paulo, domingo, 26 de abril de 1998

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Livros para as massas


Bienal do Livro de São Paulo abre sua 15ª versão na expectativa de popularizar a leitura no Brasil, oitavo maior produtor de livros do mundo, mas onde o consumo é elitista, as edições são cada vez mais caras e onde cada habitante lê cerca de três vezes menos do que lê um francês


CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
da Reportagem Local

Uma multidão de cerca de 1,5 milhão de pessoas, suficiente para lotar 11 vezes os cinco estádios de futebol da cidade de São Paulo, deverá invadir os salões do Expo Center Norte, em São Paulo, durante os dez primeiros dias de maio. São participantes do que pode ser considerado o maior evento cultural do país, ao menos em número de participantes, a 15ª Bienal Internacional do Livro, que abre na quarta-feira (dia 29) para convidados e na sexta-feira (dia 1º) para o público.
Todos os números referentes à Bienal são grandiosos. A área da exposição, por exemplo, é de 43 mil m2, o equivalente a seis campos de futebol, para manter a comparação na área esportiva. Já o número de expositores será de 815, informa a Câmara Brasileira do Livro (CBL), organizadora do evento.
São estatísticas que contrastam com os dados da 1ª Bienal do Livro, realizada em 1970, uma promoção conjunta da CBL e da Fundação Bienal de São Paulo. Na Bienal realizada há 28 anos, o número de visitantes foi de 40 mil, parcela diminuta se comparada aos mais de 1 milhão de visitantes que a feira recebeu em cada uma das suas últimas quatro edições. Em 1996, foi computado um público de 1,48 milhão de pessoas.
Com a movimentação atual, a Bienal do Livro de São Paulo é considerada a terceira mais importante feira de livros do mundo, superada apenas pelas de Frankfurt (Alemanha) e Chicago (EUA).
Os números absolutos de produção e vendas de livros no país também desenham um quadro aparentemente muito favorável do mercado editorial brasileiro.

QUANDO ABRE
A Bienal será aberta para o público na próxima sexta-feira, dia 1º, às 10h. Ela acontece até o dia 10 no Expo Center Norte (r. José Bernardo Pinto 333, Vila Guilherme, SP), sempre das 10h às 22h.



Entre 1991 e 1997, por exemplo, o número de exemplares de livros vendidos no Brasil mais do que dobrou, chegando a 348 milhões no ano passado, segundo as economistas Elizabeth Naves e Marta Oliveira, responsáveis pela pesquisa sobre mercado de livros para o Centro Regional para Fomento do Livro na América Latina e Caribe (Cerlalc), ligado à Unesco.
O número de livros produzidos foi de 381 milhões, o que significa que o Brasil é o oitavo maior mercado de livros em produção, deixando para trás países mais desenvolvidos, como a Itália, segundo informa Felipe José Lindoso, diretor de relações institucionais da Câmara. Sozinho o Brasil responde por 53% do mercado de livros da América Latina.
Colocados em perspectiva, os dados despertam menos entusiasmo, a começar pelos cálculos que mostram que cada brasileiro compra em média 2,4 livros ao ano (incluindo-se os livros didáticos). Na França, cuja produção não é muito diferente da brasileira -foram 413 milhões em 1996- o consumo per capita é de mais de 7 livros por ano. Além disso, explica Lindoso, mais da metade da produção brasileira é de livros utilizados para ensino. Em 1997, 70% dos livros produzidos no país eram didáticos. E o governo é o grande comprador de livros didáticos -no ano passado, foram 89,8 milhões de livros.
Essa concentração do mercado em apenas um setor preocupa. "Os dados mostram que tipo de leitura o brasileiro está consumindo", comenta Elizabeth Naves. "Não que tenhamos algo contra o livro didático. Muito pelo contrário, mas a proporção existente em outros países, em torno de 20% na França, por exemplo, é muito mais saudável para o mercado", diz Lindoso.
Um dos grandes problemas do país, nessa área, é o pequeno número de bibliotecas. Oficialmente, são 2.700, mas o número seria muito menor se fossem computadas apenas as bibliotecas que realmente funcionam, segundo Lindoso. Há ainda uma grande concentração de bibliotecas apenas nos Estados de São Paulo, Minas, Paraná e Rio Grande do Sul.
A popularização do livro, defende a Câmara Brasileira do Livro, poderia ocorrer mais rapidamente caso aumentasse o número de bibliotecas, não apenas públicas, mas também particulares.
Dados mais detalhados do Cerlalc mostram ainda que a estratégia das editoras nos últimos anos tem sido diversificar a oferta de livros para cativar os consumidores que já têm o hábito de ler -e comprar- livros.
Assim, no ano passado, o número de títulos publicados no Brasil aumentou 18,8%, atingindo 51.460, montante respeitável, mesmo se comparado com outros países, comenta Marta Oliveira. Na Itália, foram lançados 51 mil títulos de livros em 1996.
Além de procurar ampliar a oferta de livros, as editoras também apostaram nos livros mais caros, mais sofisticados, tentando atrair os consumidores de classe média e média alta.
É essa tendência que explica por que o faturamento do mercado editorial caiu 2,6% em 1997 (para US$ 1,84 bilhão), uma redução bem inferior à diminuição de 10,5% nas vendas por volume de vendas. Ou seja, as editoras venderam 10,5% a menos em 1997, mas faturaram apenas 2,6% a menos do que em 1996, porque deram preferência a obras mais caras.
O perfil dos visitantes da última Bienal deixa claro como é o público consumidor de livros no Brasil, ainda bem diferente do encontrado em outros países, onde o livro já é há muito tempo um produto de consumo de massa, popular.
No Brasil, principalmente por causa do preço, mas também pela dificuldade de acesso fora dos grandes centros e pelo alto índice de analfabetos, quem compra livros em quantidade é a classe média ou alta. Na Bienal do Livro de 1996, segundo pesquisa feita pela própria Câmara Brasileira do Livro, apenas 10% dos visitantes tinham uma renda entre 1 e 5 salários mínimos. E isso apesar do grande número de visitas de estudantes. O mesmo levantamento mostra que 71% dos visitantes da Bienal de 1996 tinham renda superior a 10 salários mínimos e 67% tinham instrução superior.
Os organizadores dizem que querem alargar o mercado. Por isso mesmo, promovem eventos dirigidos especialmente a estudantes e crianças e facilitam o acesso das escolas. Neste ano, entre os dias 4 e 8, no horário das 10 às 17 horas, a entrada de alunos das escolas credenciadas é gratuita.



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