São Paulo, domingo, 26 de abril de 1998

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DIÁLOGOS IMPERTINENTES
Etimologia do além


O sentido da transcendência foi debatido por Rogério Duarte e Flávio di Giorgi


NELSON ASCHER
da Equipe de Articulistas

A edição do último dia 31 de março da série "Diálogos Impertinentes" teve como tema "A Transcendência". Os diálogos, que ocorrem na última terça-feira de cada mês, são uma co-realização da Folha, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Sesc e são transmitidos ao vivo pela TV-PUC por meio do sistema NET de TV.
Debateram Flávio di Giorgi, professor aposentado de língua e literatura da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e também da PUC-SP, e Rogério Duarte, escritor, músico, pintor e professor de programação visual da UnB (Universidade de Brasília) e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
A conversa teve início com uma questão colocada por Mario Sergio Cortela -um dos mediadores- a Di Giorgi (pois Duarte, que acabara de publicar uma tradução do "Bagavad Ghita", parte da grande epopéia indiana "Mahabarata", ainda não havia chegado). A questão referia-se à etimologia do termo discutido. O debatedor explicou que "transcender" equivalia a "ir além".
Os aspectos religiosos do tema logo se fizeram sentir e, como Di Giorgi declamasse um poema panreligioso, sobre o "Senhor", perguntei-lhe sobre a possibilidade de uma divindade feminina. Ele me deu a entender que, na sua concepção, isso esta estava acima dos gêneros.
Com a chegada de Rogério o debate seguiu por trilhos semelhantes, e o tradutor do "Bagavad Ghita" definiu seus termos dizendo que "o conceito que eu tenho de Deus, no caso, é o mesmo conceito de transcendência, enquanto verdade manifestada, verdade revelada". De acordo com os debatedores, seria a possibilidade de transcendência que daria sentido à existência, algo que Flávio di Giorgi associou à paixão: "Paixão etimologicamente é sofrimento, mas é um sofrimento que, de alguma forma, é um extraordinário ensinamento (...); sem a paixão você na verdade não tem o conhecimento da sua verdadeira transcendência...".
Indagados acerca de que atividades humanas apontariam para esse "ir além", ambos concordaram que é a arte, num sentido amplo e capaz de incorporar inclusive o amor, que poderia conduzir até ela. Contra as posições céticas, por outro lado, Rogério declarou que, se a transcendência for uma ilusão, ele preferia ficar iludido, e Di Giorgi acrescentou que "a única vitória sobre a morte é a vontade de transcender".
Essas posições dominaram o restante da conversa, na qual os os dois convidados, respondendo não apenas às questões levantadas pelos mediadores, mas também a perguntas feitas pela platéia e pela audiência televisiva, discutiram, entre outros tópicos, a necessidade de Deus, a insatisfação inerente à condição humana, as perspectivas de que se resolva ou não no futuro, a imanência, o pecado (particularmente o da soberba) e, para concluir, as relações do tema em pauta com o autoconhecimento.



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