São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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Alta cultura em um mundo sitiado

FILÓSOFO ROGER SCRUTON ATACA "ICONOCLASTIA" CONTEMPORÂNEA E DEFENDE ELITIZAÇÃO DO ENSINO EM NOVO LIVRO

JOHN LLOYD


O maior valor do livro de Roger Scruton ["Culture Counts - Faith and Feeling in a World Besieged", A Cultura Importa -Fé e Sentimento em um Mundo Sitiado, Encounter Books, 136 págs., US$ 20, R$ 40] é dirigir nossas mentes para o valor e o objetivo da cultura -e testemunhar ao mesmo tempo sua fragilidade e sua força.
Ela é frágil porque, como Scruton nos lembra constantemente, a perda da dedicação a servi-la, passada de uma geração à seguinte, pode fazê-la se degradar com facilidade e até se perder: uma situação que, ele acredita, aconteceu com a maior parte da outrora refulgente cultura islâmica. Ela é forte porque, ao assumir, para muitos, o lugar da religião, deve suportar grande parte da carga de nos ensinar a viver.
Scruton argumenta contra o ensino "centrado na criança" -uma abordagem que ele vê como descobrir o que as crianças aceitarão com maior facilidade e dar isso a elas.

Descobrir os mais aptos
Ele defende uma tese diferente, de não servir à criança, mas servir à cultura: isso é o mais essencial, pois "está claro que entramos num período de rápido declínio educacional, em que algumas pessoas aprendem maciçamente, mas as massas não aprendem absolutamente nada".
Portanto, a tarefa do professor é descobrir quais são os mais aptos a transmitir a cultura e garantir que o façam.
Seu argumento, então, é explicitamente a favor da criação e recriação de uma elite, pois somente por meio de um corpo seleto de homens e mulheres as sociedades serão capazes de preservar e elevar sua cultura.
Essas elites devem ter uma certa medida -intelectual e moral- do que lhes é ensinado e do que elas, por sua vez, transmitem.
Seus inimigos, portanto, incluem conhecidas figuras odiadas pelos conservadores (e, hoje, não apenas por eles) como Michel Foucault, Jacques Derrida e Edward Said, que se instituíram como sacerdotes modernos por meio de "atos de sacrilégio e iconoclastia" para criar "uma cultura do repúdio" -baseada na noção, popularizada por Michel Foucault, de que todo o conhecimento, toda a cultura, é meramente um conjunto de máscaras ideológicas para o poder.
Ao contrário dessa visão, Scruton escreve que a cultura ocidental é "nosso mais elevado recurso moral em um mundo onde o sentimento está em constante risco de se perder".

Raios de esperança
Embora muito disso seja pessimista, ele conclui com uma seção chamada "Raios de Esperança". Aqui estão incluídos textos de autores como [o dramaturgo] Tom Stoppard, [e os escritores] Ian McEwan e (mais surpreendente) Michel Houellebecq; a virada em direção à música tonal, afastando-se das composições inescutáveis do Arnold Schoenberg [1874-1951] tardio; e o retorno à pintura figurativa.
Acho que grande parte disso está certo, mas hesito diante de algumas de suas conclusões.
É difícil ver uma decadência fundamental em um mundo (ocidental) onde se lêem mais livros, incluindo clássicos, que nunca, mais peças de teatro são produzidas e vistas, se escutam mais músicas clássica e lírica e se abrem mais galerias para mais pessoas.
Quando ele escreve que a classe trabalhadora "foi varrida de suas ruas conviviais para ser empilhada em blocos de torres higiênicas", esquece ou não sabe que milhões de famílias no pós-guerra sonhavam ter um apartamento num conjunto habitacional, principalmente porque eram higiênicos.


Este texto foi publicado no "Financial Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .


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