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O filósofo tesudo de Frankfurt
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
Marcuse, o filósofo preferido da
geração que agora está cinquentona. Textos inéditos, achados e
publicados depois de sua morte
em 1979, ano emblemático porque a década de 80 inaugurará o
reacionarismo de corpo e alma no
mundo, culminando com a voga
picareta do pós-modernismo dos
anos 90.
Diante dessa regressão ideológica, quiçá orquestrada pela CIA,
Marcuse sai de moda. A perfídia
do "niuliberalysmuz" popizou-lhe em excesso a imagem de filósofo do fumo, do "riponga", da
"porralouquice" anárquica com
"piti" contestatório. O fato irrefutável é que, de todos os notáveis
pensadores de Frankfurt, Marcuse tocou fundo na sensibilidade
da juventude, embora não tivesse
sido desses autores malandros
que escrevem com o objetivo de
agradar aos jovens. Curiosamente, Marcuse denunciou a padronização do pensamento e do estilo,
que é hoje a praga reificada da miçanga "lepitópi": todos escrevendo igual, e não só nos veículos
manjados da indústria cultural.
Seu conceito de "dessublimação
repressiva" é um verdadeiro
achado para designar o engodo
mercantil da permissividade sexual, mesmo depois do aparecimento da Aids, ou seja: a manipulação da gratificação passional
que libera os instintos brutais da
massa para ligá-los ao mecanismo boçal e repressivo da ordem
dominante, à maneira do que
ocorre entre nós com o videofascismo dos atuais programas de
auditório. Por filósofo tesudo,
quero aludir à importância que
ele atribui à dimensão erótica e estética. Marcuse adora citar o poeta Baudelaire: a arte é sempre "negação da iniquidade".
Curiosamente, enquanto escrevia na década de 50 "Eros e Civilização", sua mulher, Sofhie, definhava de câncer. A arguta formulação de que o fascismo na Alemanha não é uma planta exótica
da democracia liberal capitalista,
mas sim alguma coisa latente e
necessária ao "individualismo
competitivo", deve ser levada a
sério quando a divindade que se
alevanta é o "price system": o preço do mercado auferido por um
dinheiro cada vez mais falso.
Segundo Marcuse, o fascismo
combina tecnocracia com ideologia irracionalista. O princípio da
eficiência competitiva está tanto
no discurso do Terceiro Reich
quanto no léxico de um coronel
"pefelê" que usa e abusa da palavra "competência". Eis esta pérola
do velho Marcuse: "O homem
médio dificilmente se importa
com outro ser vivo com a mesma
intensidade e persistência que ele
mostra por seu automóvel".
O filho do Marcuse, Peter Marcuse, apresenta os textos inéditos
do pai -agora editados no livro
"Tecnologia, Guerra e Fascismo"- e põe fogo no rompimento definitivo de Marcuse com
Adorno e Horkheimer, quando
estes apoiaram os Estados Unidos
na guerra contra o Vietnã. Marcuse ficou a favor do movimento estudantil, enquanto os professores
do mundo fizeram o paparico
acadêmico em cima do "rigor teórico" de Theodor Adorno.
A acusação de seu filho é barra-pesada, no sentido de tentar uma
explicação sobre o atual menosprezo em relação ao pensamento
revolucionário de Marcuse, sobretudo em sua correspondência
mantida e, depois, rompida com
Heidegger -que lhe deu aulas de
filosofia. De resto, esse livro traça
de Horkheimer um perfil de soba
ou de patrão da Escola de Frankfurt, como se Horkheimer fosse o
FHC do Cebrap, ainda que este
não tenha parido de suas entranhas epistemológicas nenhum intelectual crítico como Marcuse.
Confesso aos caros leitores que,
ao terminar a leitura desse livro
estupendo, baixou em mim o receio de que o fascismo seja o espectro cultural e político do cotidiano, por meio de vários indícios na linguagem que indiferenciam governo de oposição. A começar do conceito de "bourgeois" emergir como "citoyen",
hipostasiando a cidadania como
motor da história, ou senão a
idéia de que tudo o que não provém dos fatos não vale nada, resumida na atitude da "factualidade cínica", na qual tudo é medido
em termos de eficiência, sucesso
e eficácia, ou seja, a ideologia pérfida do neodarwinismo social.
O crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes foi marcusiano
quando denunciou o genocídio
em curso hoje no Brasil -70%
da população brasileira deveria
sumir do mapa, não obstante a
patota sociológica do "seminário
de Marx" ter chegado ao Palácio
do Planalto em 1994.
A OBRA
Tecnologia, Guerra e Fascismo - Coletânea de Artigos de Herbert Marcuse -
Org. Douglas Kellner. Trad. Maria
Cristina Vidal Borba. Ed. da Unesp
(Praça da Sé, 108, CEP 01001-900,
SP, tel. 0/xx/11/232-7171). 371
págs. R$ 35,00.
Gilberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz
de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (Ed. Espaço e Tempo), entre outros.
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