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A apropriação vulgar de Weber no Brasil
Marcelo Coelho
da Equipe de Articulistas
Foi um azar termos sido colonizados pelos portugueses? Falta um espírito protestante para que o capitalismo se desenvolva no Brasil? Por que os Estados Unidos deram certo, e nós não?
Perguntas desse tipo se intensificam com a comemoração dos 500 anos de descobrimento. Mas já são clássicas no pensamento social brasileiro, pelo menos a partir
dos trabalhos de Sergio Buarque de Holanda ("Raízes
do Brasil") e de Vianna Moog ("Bandeirantes e Pioneiros"), publicados respectivamente nos anos 30 e 40.
Dois marcos na recepção brasileira da famosa "tese
weberiana" a que faz referência o subtítulo da coletânea
de artigos que agora resenhamos. Ou seja, a teoria do
sociólogo Max Weber (1864-1920), que vincula o aparecimento do capitalismo moderno ao comportamento
ascético e às concepções de salvação da alma defendidas
pelo puritanismo protestante.
Haveria toda uma história a ser feita não das interpretações de Weber pelos sociólogos brasileiros, mas sim
da vulgarização da "tese weberiana" a partir da crise do
modelo de desenvolvimento do país, nos anos 80.
Medievalismo e lucro
A vulgarização do weberianismo, contra a qual alguns dos colaboradores de "O
Malandro e o Protestante" se insurgem com brilho e
erudição, corresponde a fatos bem objetivos.
A opção da Igreja Católica pela reforma agrária, por
exemplo, foi interpretada como uma incompatibilidade
entre o "medievalismo" do Vaticano e o elogio moderno do lucro. O papel dos evangélicos como disciplinadores da mão-de-obra local foi encarado
como conveniente ao progresso. O colapso do marxismo vulgar, que atribuía
ao imperialismo a responsabilidade pelas mazelas do Brasil, deu ocasião a um
surto autoflagelante (mas nada ascético)
por parte de nossas elites, que encontraram em Weber, e não mais em Marx, o
segredo de seu (de nosso) fracasso.
Não é desse weberianismo automático,
suspirante e grasnador que trata "O Malandro e o Protestante". O livro se divide em duas partes. Uma, de cunho mais amplo, trata de reconstruir a
sociologia das religiões desenvolvida por Max Weber.
Conta com dois artigos longos e densos de Wolfgang
Schluchter, uma das maiores autoridades em Weber
atualmente, sobre "As Origens do Racionalismo Ocidental" e "A Origem do Modo de Vida Burguês".
A segunda parte do livro, mais desigual, se dedica às
interpretações do pensamento de Weber feitas no Brasil. O artigo de Luiz Werneck Vianna é rigoroso e informativo.
Distingue duas correntes no "weberianismo" brasileiro: uma que vê na colonização a origem de um modelo
asiático, oriental, patrimonial de Estado (Raymundo
Faoro, Simon Schwartzman) e outra, que em vez de denunciar a predominância do Estado sobre a sociedade,
enfatiza de que modo os interesses constituídos na própria sociedade instrumentalizaram o Estado (Florestan
Fernandes, Maria Sylvia de Carvalho Franco, José Murilo de Carvalho).
Visão maquiavélica
Entramos aqui numa controvérsia técnica, bem distante do weberianismo vulgar. Observo apenas que, se uma crítica pode ser feita a
Raymundo Faoro, em seu clássico "Os Donos do Poder", é mais a de que tem uma visão maquiavélica, personalista, do atraso brasileiro como obra de um onipresente "estamento burocrático" do que a visão de uma
sociedade sufocada pelo Estado. É verdade que, depois
de ler Gramsci e de viver as lutas pela abertura política
na década de 70 Faoro dá larga margem à interpretação
de Werneck Vianna.
O livro prossegue com altos e baixos, desde uma lembrança do capitalismo católico italiano como contraponto às esperanças brasileiras no protestantismo (Maria Lúcia Maciel) até uma avaliação violenta de Paulo
Prado e Vianna Moog (Roberto Moreira) e a uma importante contribuição sobre as influências de J.W. Turner sobre o weberianismo de Sergio Buarque (Robert
Wagner).
Sobressai, no livro inteiro, -em especial no artigo de
Robert N. Bellah e na introdução de Jessé José Freire de
Souza o interesse em matizar a idéia de que os Estados
Unidos "deram certo" e o Brasil "deu errado". Uma cultura da tolerância, por exemplo, se firmou (?) aqui. Já
nos EUA o espírito de seita é tão responsável pelo rigor
da cidadania quanto pelos conflitos inter-raciais.
Nostalgia americana por um Brasil idealizado e sorridente? Não sei. Sei que este livro visa a ser
um antídoto brasileiro à idéia de uma
América bem-sucedida. O mundo perfeito não é possível nem desejável, diz o
título, plenamente weberiano, do artigo
de Katie Arguello. Não simpatizo com a
idéia. Mas Weber está presente, com todo seu pessimismo e complexidade, neste livro.
O Malandro e o Protestante
315 págs., R$ 27,00
Jessé José Freire de Souza
(org.). Ed. da UnB (SCS, quadra
2, bloco C, nº 78, CEP 70300-500, Brasília, tel. 0/xx/61/225-5611).
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