São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Índice

MILLÔR

A equação é simples e visível - à medida em que o pão fica mais caro, a vida fica mais barata




1. O por quê sem porquê

Numa economia perfeitamente organizada como a nossa, quando falta o pão, falta a manteiga. De modo que o povo não sabe se é pela falta do pão ou da manteiga que não pode comer pão com manteiga. E vai ao futebol. Onde hoje há muito bol (o Chile tinha duas de reserva, por trás do goleiro) e total ausência de fute.

2. Liberou geral

Bobagem, meu filho.
Nos dias de hoje ninguém precisa ser bicha pra ser homossexual.

3. Legislador, não passes da corrupção

A língua é a mais complexa, a mais milagrosa, a mais estranha, a mais gigantesca e variada invenção humana. E nada é mais dinâmico e menos sujeito a tutelas autoritárias. Agora, mais uma vez, vê-se um cidadão, "eleito pelo povo", propor uma lei proibindo o uso de palavras estrangeiras em nosso cotidiano, hebdomadário e ate anuário.
Péra aí: estava em sua proposta de governo que ele tinha autoridade para interferir no que eu falo, escrevo ou pinto em minha tabuleta? Ele sabe, literalmente, do que está falando? Quanta idioletice!
PS. Não adianta correr ao "Aurélio". Não está lá.

4. Vai fundo

A inveja não existiria se você pensasse nas chateações que eles estão tendo na viagem.

5. O relativo

Os cientistas descobriram que os macacos são mais inteligentes do que se pensava até agora -sabem contar até nove.
Entreouvido no zoológico: "Cuidado! Eles já descobriram que sabemos contar até nove. São mais inteligentes do que pensávamos".

6. Tempo danado

Vejo na TV Globo, altas horas da noite, entrando pela madrugada, uma senhora visivelmente vivida (não digo o nome), afirmando, "A minha vida sexual é uma loucura!". E penso: só se for exercida em local próprio -num hospício. Nem fauno de mitologia, "après midi", come essa senhora.
Pô, vamos acabar com a idéia de que as pessoas "revolucionárias" podem dizer o que bem entendem. Sexo masculino, vetusta amiga, todos sabem, é aparelhagem complexa, com sérios problemas mecânico-hidráulicos. Só funciona perfeitamente com comburentes da melhor qualidade, e data de validade recente.

7. O leão e a cegonha

Já que outra vez voltou à pauta -volta sempre- o tema lobby, meto eu também a minha colherinha.
Que o sociólogo-mór me perdoe: lobby, segundo a The United Nations Educational Scientific and Cultural Organization, que os íntimos chamam de Unesco, é o "contato pessoal com legisladores buscando a promulgação de leis ou a derrota ou modificação delas. Usa a técnica de proporcionar diversões -festas e similares- aos membros do legislativo e sua família, cultivando intimidade e amizade para atingir seus objetivos".
Já a "Encyclopedia of the Social Sciences" (1933), da Macmillan, nota que "lobby é quase sempre associado ao esforço de pessoas e organizações inescrupulosas para conseguir legislação interessada. O lobby tem sido chamado de third house" (n.a.: poder equivalente à Câmara e ao Senado). "Suborno e outras práticas não éticas são geralmente associadas ao lobby".
Mas, como também tenho visto comentaristas e legisladores divagarem sobre a história do lobby, aqui vai:
Em janeiro de l680, o M.P. Sillius Titus fez, na Câmara dos Comuns de Londres, um discurso que ficou famoso (tanto que, abaixo, repito trecho, 300 anos depois). O parlamentar se colocou contra o rei Charles II que, mediante algumas "compliances" (jeitinho), pretendia que o parlamento aceitasse seu irmão James como sucessor ao trono, apesar de católico romano. Disse Sillius Titus:
"Esperemos que não sejamos tão tolos quanto as rãs, a quem Júpiter propôs uma cegonha como rainha. Elas aceitaram, politicamente, certas de que seria fácil resolver pequenos problemas posteriores como, por exemplo, a cegonha, com seu bico comprido e poderoso, querer devorá-las. Coisa tão estúpida quanto nós, agora, sabedores de que há um leão aí no lobby, votarmos a favor da entrada do leão, convencidos de que, uma vez o leão aqui dentro, será mais fácil acorrentá-lo.
A verdade é bem outra: aconselha simplesmente a fechar a porta e deixar o leão lá fora"”
É o que eu, subdesenvolvido, modestamente aconselho; deixemos lá fora o lobby-ao-contrário e ponhamos na cadeia o homem-ao-contrário.



Site do Millôr: www.uol.com.br/millor


Texto Anterior: José Simão: O Pleito Caído! A volta da Galera Medonha!
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.