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+ arte
O pupilo Picasso
Exposições na Espanha apresentam lado a lado obras do pintor catalão e de mestres em que se inspirou, como Goya e Rembrandt
BÉRÉNICE BAILLY
Pablo Picasso é muitas
vezes descrito como
um gênio da ruptura,
ou como o artista que
ofereceu ao século 20
suas formas mais inéditas. Mas
ele mantinha igualmente uma
relação apaixonada com os
grandes mestres do passado
-chegava até a assinar alguns
trabalhos como "Domenico
Theotocopoulos van Rijn da
Silva", homenageando El Greco, Rembrandt e Velasquez.
O Museu do Prado e o Museu
Rainha Sofia, em Madri, tentam, agora, traçar essas afiliações por meio de uma dupla exposição, intitulada "Picasso,
Tradição e Vanguarda".
Com apetite insaciável, esse
grande inventor de formas se
nutriu durante toda a vida do
trabalho de pintores do passado: Zurbaran, Ribera, Poussin,
Delacroix, Cézanne...
Ele os descobriu no Prado ou
no Louvre, admirou suas luzes,
suas composições ou sua expressividade. Mas jamais os copiou: Picasso acima de tudo
reinterpretava os trabalhos deles, algumas vezes de maneira
quase obsessiva.
Ao propor essa confrontação
direta, os dois museus madrilenhos evocam sua desrespeitosa
devoção aos predecessores,
com a ajuda do empréstimo de
algumas obras excepcionais da
parte de museus estrangeiros.
A exposição do Prado se abre
com a célebre alegoria intitulada "La Vie" [A Vida, 1903], vinda de Cleveland. Longas silhuetas evanescentes e penetradas
pelo azul que ecoam de maneira soberba o ziguezague do corpo de Cristo, traçado por linhas
tênues e melancólicas na
"Trindade" de El Greco.
Já os períodos azul e rosa
testemunham a redescoberta
da escola espanhola pela vanguarda, no começo do século
20. Mas o gênio catalão mistura mil recordações a essas influências: a geometria de Cézanne, a solenidade da Grécia.
Rosto rasgado
Em "La Repasseuse", a influência de Degas encontra a
austeridade do barroco ibérico.
"Femme à l'Éventail" [Mulher
com Leque], obra cubista, evoca de maneira filigranada as
virgens hieráticas da era romana, matizadas por uma inventividade escultural tomada de
empréstimo da arte africana.
O rosto rasgado pelas lágrimas em "La Pleureuse" recorda
todas as mater dolorosas, as
mães sofridas representadas na
exposição por um comovente
Ticiano. E o corpo bem delineado em "Grand Nu" [Grande Nu]
aponta para suas origens na
"Maya Desnuda", de Goya.
Todas essas influências são
conhecidas e vêm sendo objetos de pesquisas há decênios. O
Prado não inventou nada. Mas
o confronto das obras entre si
gera o mais belo efeito, ainda
que tenham sido esquecidos alguns vínculos importantes.
"As Meninas", de Velasquez,
faria bela figura aqui. Picasso
passou meses estudando esse
trabalho, mas não existem trabalhos de Velasquez acompanhando as múltiplas variações
inspiradas por essa obra-prima. Outro trabalho notável pela ausência, bastante perceptível, é o "Dejeuner sur l'Herbe"
[Almoço na Grama], de
Edouard Manet, um dos marcos da modernidade estética ao
qual o mestre também prestou
homenagem.
A visita ao Rainha Sofia nos
consola por essas lacunas. O
ponto de partida da exposição é
o 25º aniversário do retorno de
"Guernica" à Espanha. Pouco
depois que a democracia foi
restaurada na Espanha, em
1976, o célebre quadro deixou o
MoMA, de Nova York, que o
abrigara durante o regime de
Franco, para encontrar seu espaço definitivo em Madri, como dispôs o artista.
Por ocasião do aniversário, o
museu Rainha Sofia apresenta,
como de hábito, a obra-prima
que é a pérola de sua coleção.
"Guernica" foi inspirado pelo
massacre em bombardeio aéreo de uma aldeia basca, na
Guerra Civil Espanhola, e está
acompanhado de diversos de
seus desenhos preparatórios.
Mas a novidade pode ser encontrada em outra ala, que reúne três telas que resumem os
propósitos da exposição.
"Le Massacre en Corée"
[Massacre na Coréia], de Picasso, está em exibição diante de
dois quadros que o inspiraram,
o "Tres de Mayo" (1814), de Goya, e "L'Exécution de l'Empereur Maximilien" [A Execução
do Imperador Maximiliano,
1868], de Manet. A mesma
composição, a mesma condenação à guerra: face a face, os
inocentes e os carrascos.
Entre eles, as linhas frias dos
fuzis, que escandem as três telas. A comparação é magistral, a
filiação é direta, mas uma conclusão se impõe: o mistério de
Picasso continua essencialmente irredutível a essas influências do passado.
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Paulo Migliacci.
Na internet
Museu Prado,
www.museoprado.es
Museu Rainha Sofia,
www.museoreinasofia.es
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