|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ponto de fuga
Quanto vale?
O mercado deixaria de existir, e com ele as artes,
se tanta gente não se dispusesse a pagar tanto;
para o mal ou para o bem, essas pessoas indicam o interesse crucial
pela arte
|
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Ao ser interrogado sobre
o futuro da arte, um crítico importante respondeu: "Não sei. Se soubesse, estaria comprando". Entre a provocação e o cinismo, a tirada
assinala o quanto as artes estão
ligadas ao mercado.
Artes, aqui, têm o sentido de
artes plásticas, cujos produtos
são investidos por um alto reconhecimento simbólico. Ele
vem reforçado por julgamentos, comentários, debates, que
provocam desejos de propriedade e determinam valores financeiros tão flutuantes quanto a intensidade dessas cobiças.
Nos fatos, nenhum artista, de
nenhum tipo, seja ele poeta ou
cineasta, inventor de instalações ou navegador no ciberespaço, consegue sobreviver de
suas criações sem vendê-las.
A mistura, na qual as artes
(com suas características de invenção iluminadora, carregada
por intuições que acendem
centelhas insuspeitadas no comum dos mortais) se fundem
com os interesses vis do dinheiro, exala quase sempre um
odor meio nauseante.
Procura-se ignorar a junção,
busca-se separar as duas coisas
para evitar o sentimento de repugnância. No entanto, a existência das artes em nosso tempo depende desses processos
de compra e venda, no qual se
infiltram os mais diversos tipos
de oportunismos publicitários
que transformam a obra em
produto.
É possível uma visada otimista. O mercado pode ser tomado como sintoma: ele deixaria de existir, e com ele as artes,
se tanta gente não se dispusesse a pagar tanto.
Tais pessoas, para o mal ou
para o bem, indicam o interesse (na variada gama de sentidos
que essa palavra possui) crucial
consagrado à arte.
Há especulações e vaidades,
que esvaziam a obra de seu
sentido mais profundo. Mas os
falsos semblantes dependem,
mesmo se indiretamente, de algum cerne mais verdadeiro.
Nele permanece, ainda que
bruxuleante, uma chama, por
pequena que seja.
Genuflexório
A arte não produz objetos,
produz sujeitos. Sujeitos pensantes, sem palavras, contudo.
Obras são significações silenciosas.
A arte, no Ocidente de hoje,
fora casos raros, desligou-se de
quaisquer funções religiosas.
Sacralizou-se em si mesma,
graças a seus poderes emotivos.
Nossas comunhões, nossos
transes, nossas elevações espirituais ocorrem nos cinemas,
nas galerias, nos museus, nas
páginas de um livro e, por
vezes, frente à tela de um computador.
Viseira
É melhor evitar a distinção
infeliz entre cultura elevada e
"cultura de massa". Ela tapa os
olhos com vendas que se querem teóricas e são apenas preconceituosas. Impede a percepção de intrincadas complexidades em obras condenadas
por antecedência.
Alguém pode, por força, tentar fazer arte, sem conseguir:
isso ocorre tanto. Outro, pensando apenas produzir um produto "de consumo", é levado a
desvendar profundidades espantosas.
Ninguém pode dizer qual o
bom adubo para a arte. Muitas
vezes, os critérios convencionais, ou da moda, cobrem os
terrenos, impedindo que floresçam invenções artísticas.
Outras, as convenções, as modas, segundo configurações imprevisíveis, terminam por favorecer intuições criadoras. Artes
são feitas de contaminações.
Torcida
Nossos receios acenam para
um futuro apocalíptico, no qual
a estabilidade se perde. Estabilidade mais sonhada que real.
Ganha-se, em troca, uma rede em que as comunicações são
imediatas, em que as facilidades de deslocamento para todo
o planeta são prodigiosas. Isso
tudo deveria provocar fecundações extraordinárias nos processos de criação. Tomara.
jorgecoli@uol.com.br
Texto Anterior: Os Dez + Próximo Texto: Biblioteca Básica: Baú de Ossos Índice
|