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Moretti busca fazer história mundial da literatura
Utilizando trabalhos como o de Roberto Schwarz, autor alia estilo, humor e análise rigorosa
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não faz muito que o
nome de Franco
Moretti passou a
ocupar algum espaço no debate literário no Brasil -o artigo que
primeiro o colocou em evidência entre nós saiu em 2001, sob
o título vasto e vago de "Conjecturas Sobre a Literatura
Mundial" (em "Contracorrente", organizado por Emir Sader, editora Record).
Mas o texto revelou logo o tamanho da briga que este italiano, especialista em romance
inglês, comprava: nem mais,
nem menos, estava repassando
criticamente as principais alternativas concebidas até hoje
na direção de uma história
mundial da literatura. Nada
óbvio, nada fácil.
Ele se sai otimamente bem
da empreitada. Não porque tenha qualquer ilusão de esgotar
o assunto nos termos acadêmicos em que ele se apresenta
-seja na forma das já velhas
histórias nacionais (tantas vezes nacionalistas) de literatura,
seja na moda da literatura
comparada (tantas vezes um
simples rebaixamento do problema)-, justo pelo contrário.
Arguindo a noção de que estudar literatura implica mergulhar profundamente em
muito poucos livros, os canônicos, Moretti propõe uma perspectiva darwinista, isto é, materialista e empirista, animada
pela tradição marxista, mas
longe da variante adorniana.
Caso raro
Em sua mão, o que vai falar é
um objeto muito mais vasto,
que se compõe virtualmente da
totalidade dos livros escritos,
em qualquer parte. Vale conferir o quanto isso rende em seu
primeiro livro traduzido aqui, o
"Atlas do Romance Europeu"
(Boitempo).
O que torna sua análise possível são duas restrições. Primeira: ele se ocupa do romance, e não de toda a literatura.
Como se sabe, o romance é uma
forma relativamente fácil de
discernir em qualquer paisagem, em qualquer idioma, por
variadas que sejam suas encarnações concretas.
Segunda: sem ilusões de poder ler todos os romances do
mundo, nem mesmo os de um
só país de cultura letrada sólida, ele se serve de leituras já feitas, de estudos que tenham já
detectado modos particulares
de ser do romance naquele contexto -daí, por exemplo, a centralidade que em sua teoria
ocupa a figura de Roberto
Schwarz, que estudou minuciosa e proficientemente a forma
do romance brasileiro do século 19, entre [José de] Alencar e
Machado de Assis.
Daqui se segue que o âmbito
de trabalho morettiano é um
caso raro na área, porque permite compartilhamento de tarefas e cumulatividade de trabalhos, como se fossem os estudos literários um ramo de ciência da natureza.
"A Literatura Vista de Longe": esse é o nome de um de
seus grandes livros (edição brasileira: Arquipélago) e uma designação abreviada de seu método. Trata-se de olhar em
perspectiva, a ponto de poder
discernir os grandes veios, as
tendências, os caminhos que o
romance tomou.
Não quer estudar estrutura
narrativa em abstrato; sua batalha é com a empiria que estrutura os romances. Cidade,
campo, a rua, a divisão das classes pelo espaço, proximidade
ou distância, essas variáveis
geográficas são convocadas em
paralelo com o desenho dos
enredos, com o perfil das personagens, com o destino dos
heróis.
Tudo isso vem com um acréscimo nada desprezível: Moretti
escreve com um estilo marcante e eficaz, composto de muitos
dados, confissões do pesquisador e um bom humor desconcertante, mas sempre orientado pela eficácia argumentativa.
E nada disso impede que levante voos interpretativos, em que
formula hipóteses de imenso
valor analítico, em contraste
com a relativa frivolidade da
área, como se lê em "Signos e
Estilos da Modernidade" (Civilização Brasileira).
LUÍS AUGUSTO FISCHER é crítico literário, professor de literatura na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul e autor de "Machado e Borges" (ed. Arquipélago), entre outros livros.
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