São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 1998

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CÂMARA CASCUDO
As farras de um provinciano


Etnólogo dominava Natal, de onde nunca quis sair


do enviado especial

Luís da Câmara Cascudo era uma farra. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde ensinou direito internacional, bebia cerveja com os alunos, frequentava cabarés e, uma vez por mês, tomava um porre, lembra o filho Fernando.
Quando chegava das farras, encontrava uma mesa preparada pela mulher Dhalia, com copo d'água, sal de frutas e uma toalha, para ele se limpar caso vomitasse.
Entre o fim dos anos 10 e 1986, quando morreu, Cascudo foi o epicentro de Natal. O poeta e escritor Mário de Andrade e o ex-presidente Juscelino Kubitschek foram à cidade visitá-lo.
JK queria Cascudo reitor da Universidade de Brasília. Ele recusou, como recusaria convites para dar aulas na USP, na Universidade de Campinas e na Sorbonne. Gostava da definição de "provinciano incurável". E adorava a provinciana Natal, com 60 mil habitantes na Segunda Guerra, porque lá era rei.
Em seu aniversário, seus objetos de estudo vinham lhe prestar tributo, segundo a filha, Anna Maria. Todo 30 de dezembro, cantadores de coco, grupos de marujada e de caboclinho invadiam sua casa.
No dia-a-dia, misturava hábitos aristocráticos -o gosto pelo charuto, vinho francês e presunto cru italiano- com costumes caboclos. Escrevia sentado na rede, com a folha apoiada sobre uma tábua e uma bacia no chão, na qual batia as cinzas dos charutos Pimentel ou Suerdick.
A homenagem que lhe prestou o prostíbulo batizado "Vila Familiar Câmara Cascudo" tem raízes históricas, segundo Diógenes da Cunha Lima, seu secretário.
Desde os anos 30, Cascudo frequentava dois cabarés de Natal, os de Rita Loura e de Maria Boa.
Hoje, Cascudo virou um personagem folclórico em Natal. Não deixou seguidores -só cultuadores ou aduladores.
Do poder local, não recebeu melhor tratamento. O sobrado em que Cascudo viveu, onde ele desejava que fosse criado um centro cultural, está fechado. Sua biblioteca, abandonada.
Há um conflito ali que só o dinheiro pode resolver. O Memorial Câmara Cascudo, onde está a biblioteca, é público. Os livros pertencem à família Cascudo. Como o governo não tem dinheiro ou interesse em comprá-la, a biblioteca está jogada às traças. Quem der R$ 3 milhões leva os 15 mil livros -preço estipulado pelos filhos.
Para usar uma imagem do filho Fernando, "Cascudo foi tragado pela província que cultuava". (MCC)



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