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+ Filosofia
Nada a fazer
Professor norueguês mescla cultura pop e filosofia para explicar o tédio e como lidar com ele
Divulgação
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Elias Koteas e Deborah Kara Unger em "Crash", filme de David Cronenberg em que personagens preenchem seu tempo com fantasias automobilístico-sensuais |
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
S
e a filosofia nasce do
ócio criativo, então
um livro sobre o tédio
escrito por um professor de filosofia deve
ser uma contribuição à epistemologia contemporânea... ou
pode ser um livro sobre cinema
hollywoodiano e variedades.
O norueguês Lars Svendsen,
professor da Universidade de
Bergen, cuja "Filosofia do Tédio" tornou-se best-seller em
seu país, é um dos autores que
apresentam a filosofia ao grande público em estilo pop.
"Escrevi um ensaio, à maneira de Montaigne", define o autor, apartando sua obra de sucessos da auto-ajuda filosófica
como "As Consolações da Filosofia", de Alain de Botton, ou
"Mais Platão, Menos Prozac",
de Lou Marinoff.
Para Svendsen o tédio é um
fenômeno moderno, apesar da
ligação com conceitos tradicionais da história da filosofia como a acídia (ou, simplesmente,
"preguiça") e a melancolia.
Autor de outros ensaios temáticos (sobre o amor, o mal e
a moda), Svendsen argumenta
que o tédio não é evitável, mas
que sua compreensão pode ajudar o indivíduo moderno a lidar com esse estado. Leia a entrevista concedida à Folha:
FOLHA - A abordagem pop é responsável pelo sucesso do livro?
LARS SVENDSEN - É grande parte
desse sucesso. O livro é de certo
modo uma análise da cultura
contemporânea, portanto faz
sentido usar fontes da cultura
contemporânea. Usar esse tipo
de material pareceu mais relevante do que me prender à bibliografia acadêmica.
Mas não usei essas fontes
com intenção de obter sucesso.
É que, durante meu doutoramento, me sentia vestindo uma
camisa-de-força, pouco podia
trazer dos meus interesses à
pesquisa. Quis fazer o oposto da
tese acadêmica neste livro.
FOLHA - Portanto o sr. já deve estar
acostumado a comparações com
Alain de Botton ou Lou Marinoff. Como compara sua obra à deles?
SVENDSEN - Meu livro é muito
mais acadêmico que os deles,
por exemplo toda a parte do livro sobre a fenomenologia do
tédio. Uma coisa comum entre
eles é a intenção de abordar o
público geral. Quando escrevi o
livro, não pensei muito nisso.
Escrevi um ensaio, à maneira
de Montaigne em seus "Ensaios" -escrever de um ponto
de vista mais subjetivo, usando
muitas fontes diferentes, criando um tipo de "colagem".
FOLHA - Por que se demorou tanto
em "Crash" [filme de David Cronenberg baseado em livro de J.G. Ballard] e Heidegger no ensaio?
SVENDSEN - Heidegger é simplesmente o filósofo que escreveu a mais detalhada análise do
fenômeno do tédio. Acabo por
dispensar sua análise como
não-funcional. Acho que ele
procura por algo no tédio que
na verdade não se encontrará.
Quanto a "Crash", é o ponto
de partida do livro. Vi o filme e
ele me tocou profundamente.
Quis saber por que esse filme
me atingiu, um filme que tanta
gente acha tedioso ou desagradável. Escrevi primeiro uma
análise de "Crash". Depois veio
a análise de "Psicopata Americano" [filme baseado no romance de Bret Easton Ellis].
FOLHA - Seus pontos de partida são
representações de comportamento
anormal. Sua intenção era afastar as
pessoas de comportamentos anormais advindos do tédio?
SVENDSEN - Uma coisa sobre o
tédio é que é influente em levar
pessoas a fazer coisas que realmente não deveriam fazer. É
uma das razões por que os velhos padres, como São Tomás
de Aquino, viam a acídia, o tédio pré-moderno, como o pior
dos pecados capitais.
Eu uso esses exemplos como
versões extremas de nós, para
descobrir por que pensamos
como pensamos. Grande parte
da cultura contemporânea tem
um fascínio pela violência. Já
que você é brasileiro, posso falar: o jiu-jitsu brasileiro, o vale-tudo são um dos meus interesses mais "não-filosóficos".
FOLHA - Não quis tratar das respostas "zen" ao problema do tédio?
SVENDSEN - Ou sentar e ouvir
uma peça de John Cage? Não
estou certo de que essa opção
esteja disponível para todo
mundo. Falei também da estética como resposta. A felicidade
estética é como as drogas: pode
ser ótima, mas não dura.
A modernidade tem sido isto:
romper com velhas tradições.
Isso tem lados bons e ruins. Um
lado ruim é ter criado o "problema do sentido". Levou a um
individualismo tão forte que fica difícil pensar em algo mais
comum que o individualismo.
Como na "Vida de Brian" [filme do grupo cômico britânico
Monty Python]. Brian não quer
ser profeta: "Vocês são todos
indivíduos". "Somos todos indivíduos", respondem em coro.
O indivíduo é aquele sujeito
posto no mundo para realizar a
si mesmo, esse é o grande projeto do sentido da vida para
eles. E muitos de nós falhamos
miseravelmente.
O tédio pode ser visto como
uma voz da consciência, que diz
que sua vida não é nada, que sua
carência de sentido precisa ser
suprida. A conclusão é que o tédio pode ser uma fonte de autoconhecimento.
FOLHA - É por isso que não traz
uma resposta pronta.
SVENDSEN - Isso é relacionado
ao meu conceito de filosofia.
No fim das contas, trata-se de
auto-exame, de reflexão. Ler filosofia deve ser algo trabalhoso.
É provavelmente mais uma diferença entre meu livro e outros, como o de De Botton: ele
não deixa espaço para o leitor
trabalhar por si.
FOLHA - Seu texto atinge alguma
conclusão ética ou moral?
SVENDSEN - Acho que há uma
conclusão moral -em sentido
existencial. Acabo dizendo:
"Não gaste sua vida tentando
escapar do tédio. Apenas o aceite como parte da vida". Ao aceitar-se o tédio, ele deixa de ser
aquele fenômeno grande e assustador do qual precisamos
fugir. Aceitar o tédio faz com
que ele se torne menor.
O problema de Heidegger é
que ele acha que, se você pensar
profundamente o bastante sobre o tédio, então o sentido da
vida vai se desvelar para você.
Acho isso simplesmente errado, pois não acredito que exista
algo como o grande sentido da
vida. Há muitos sentidos na vida, muitas fontes de sentido: família, trabalho, hobbies... podem ser suficientes. O problema com a busca do grande sentido é tender a desprezar todas
essas fontes de significado.
Fernando Pessoa, que tanto
cito, fala do tédio das grandes
cargas de tarefas. O problema
do tédio é o de encontrar um
sentido pessoal nas coisas.
FOLHA - E por que diferencia tédio
de melancolia, nesse caso?
SVENDSEN - É difícil fazer uma
distinção. Como filósofo, o tédio é mais tentador. "Melancolia" já foi roubado pela estética;
"depressão", pela psiquiatria.
"Tédio" estava disponível.
Mas é interessante: quando
alguém pergunta às pessoas,
muito mais homens que mulheres reclamam de tédio. E
muito mais mulheres do que
homens reclamam de depressão. Será que um gênero chama
de "tédio" o que o outro chama
de "depressão"?
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