São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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+(L)ivros

Cultos, liberados, infelizes

Documentos divulgados na Inglaterra revelam a subversão intelectual e sexual do Grupo de Bloomsbury, que incluía Virgina Woolf



Milhares de páginas de correspondência e 30 álbuns de fotos acabam de vir a público

ANDY McSMITH

Dependendo da visão que se queira ter, eles foram um círculo fascinante de intelectuais ativos, talentosos e livres-pensadores ou um grupo de subversivos libertinos "que viviam em quadrados, mas amavam em triângulos".
O Grupo de Bloomsbury continua a suscitar fascínio até hoje, décadas depois da época em que seus membros se reuniam em casas elegantes para sexo e conversas espirituosas.
Praticamente não se passa ano sem que seja lançado mais um livro que procure captar parte de sua história incomum.
Agora acaba de sair a contribuição mais recente ao material sobre o grupo: milhares de páginas de correspondência e 30 álbuns de fotos pertencentes a duas integrantes do círculo, que acabam de ser liberados para uso público.
As integrantes em questão são Rosamond Lehmann, figura famosa no cenário literário britânico do entreguerras, e a escritora de diários Frances Partridge, que viveu mais que todos os outros membros do grupo e continuou a escrever em seu diário praticamente até o dia em que morreu, seis anos atrás, aos 103 anos de idade.
Embora os membros do Grupo de Bloomsbury fossem brilhantes e liberados, nem todos eram felizes.

Mergulho no rio
A figura central era Virginia Woolf, que, após sua casa ter sido atingida por uma bomba em 1941, escreveu uma carta a seu marido, Leonard, dizendo "não podemos suportar mais um daqueles tempos terríveis", encheu os bolsos de seu casaco de pedras e mergulhou em um rio.
Um dos materiais do arquivo recém-liberado é uma carta a Francis Partridge datada de 3 de abril de 1941, seis dias após o desaparecimento de Woolf, mas antes de seu corpo ter sido encontrado.
O autor da carta [leia nesta pág.] foi o crítico de arte Clive Bell, casado com a irmã de Virginia Woolf, Vanessa. Frances Marshall (a futura senhora Partridge) fez parte de uma configuração sexual complexa que não foi exatamente um triângulo amoroso, mas um quadrilátero.
Filha do arquiteto William Marshall, depois de formar-se no Newnham College, em Cambridge, ela começou a trabalhar em uma livraria.
Entres os clientes estavam Lytton Strachey, famoso por seus retratos iconoclastas de vitorianos famosos, a pintora Dora Carrington e o marido desta, Ralph Partridge.
Os três viviam juntos em uma casa de fazenda em Wiltshire chamada Ham Spray. Ao mesmo tempo em que tinha um caso com um dos amigos de Ralph, Carrington estava perdidamente apaixonada por Strachey. Mas este, que era gay, amava Ralph Partridge.
Partridge ampliou o elenco da configuração ao apaixonar-se pela jovem Frances Marshall. Ele e ela foram viver juntos em uma casa em Londres, sem se preocuparem com o detalhe de que ele já era casado.
Strachey morreu de câncer de estômago em 1932, e Carrington, não conseguindo superar sua morte, deu um tiro na própria cabeça. Sua mira não era boa, e ela ainda estava viva quando Ralph e Frances chegaram a Ham Spray, algumas horas mais tarde. Ela morreu pouco depois.
O que ocorreu de fato foi que Ralph e Frances se casaram no ano seguinte e foram viver em Ham Spray até a morte de Ralph, em 1960, após a qual Frances voltou para Londres.

Homens e mulheres
Rosamond Lehmann era um ano mais jovem que Frances Partridge e ficou famosa repentinamente em 1927, aos 26 anos, com seu primeiro romance, "Dusty Answer" [Poeira].
Nem todos gostaram de sua obra. O crítico da "New Yorker" Brendan Gill disse que um de seus romances posteriores "era falho porque tentava atribuir os problemas das mulheres aos homens, quando o verdadeiro problema (aparentemente) era algo chamado "destino". [Mas] as mulheres não entendem o destino; elas não escreveriam um "Hamlet", nem que fossem capazes disso".
Lehmann se casou duas vezes -a segunda com Wogan Philipps, filho comunista de um armador rico, mais tarde celebrizado como o segundo barão Milford e único comunista na Câmara dos Lordes.
O novo arquivo também inclui uma carta de Lehmann a Frances Partridge descrevendo uma discussão furiosa que Philipps teve com seu pai em 1932.
"Começou com uma discussão sobre a pena de morte e, com rapidez de relâmpago, passou para o comunismo, a pintura obscena, o fato de participar de um grupo obsceno, intelectuais fajutos, a intenção de fazer Wogan se contorcer abjetamente e suplicar por cada centavo etc. etc."
"Antes de nos darmos conta do que estava acontecendo, um documento foi dado a Wogan para ele assinar, afirmando que concordava em ir trabalhar na fábrica de automóveis de Morris como mecânico comum e então ir passar seis meses na Rússia e procurar qualquer trabalho que conseguisse."
"Enquanto isso, era redigida outra carta, esta para Morris, pedindo a ele que aceitasse empregar Wogan e o curasse de sua baboseira comunista."
Sem ter sido curado dela, Philipps foi à Espanha como motorista de ambulância voluntário durante a Guerra Civil.
O casamento chegou ao fim depois de seu retorno, e Lehman iniciou um relacionamento longo e infeliz com Cecil Day-Lewis. Mas, pelo menos, Wogan retornou vivo, diferentemente de Julian, filho de Clive e Vanessa Bell, morto enquanto dirigia uma ambulância no verão de 1937.
Assim como Partrdige, Lehmann teve vida longa, morrendo em 1990, aos 89 anos de idade. "De certo modo, essas duas mulheres pertenceram a uma geração que só poderia ter existido no entreguerras", disse Patricia McGuire, arquivista do King's College, de Cambridge, que adquiriu as duas coleções.
"Elas tinham educação, formação e direitos, mas também dispunham de muito tempo livre e não precisavam ser donas de casa. Tinham pontos de vista bem desenvolvidos e sabiam discorrer com clareza sobre suas emoções."


A íntegra deste texto saiu no "Independent". Tradução de Clara Allain .


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