|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+(L)ivros
Cultos, liberados, infelizes
Documentos divulgados na Inglaterra revelam a subversão intelectual e sexual do Grupo de Bloomsbury, que incluía Virgina Woolf
Milhares
de páginas de correspondência e 30 álbuns de fotos acabam
de vir a público
|
ANDY McSMITH
Dependendo da visão que se queira
ter, eles foram um
círculo fascinante
de intelectuais ativos, talentosos e livres-pensadores ou um grupo de subversivos libertinos "que viviam em
quadrados, mas amavam em
triângulos".
O Grupo de Bloomsbury
continua a suscitar fascínio até
hoje, décadas depois da época
em que seus membros se reuniam em casas elegantes para
sexo e conversas espirituosas.
Praticamente não se passa
ano sem que seja lançado mais
um livro que procure captar
parte de sua história incomum.
Agora acaba de sair a contribuição mais recente ao material sobre o grupo: milhares de
páginas de correspondência e
30 álbuns de fotos pertencentes a duas integrantes do círculo, que acabam de ser liberados
para uso público.
As integrantes em questão
são Rosamond Lehmann, figura famosa no cenário literário
britânico do entreguerras, e a
escritora de diários Frances
Partridge, que viveu mais que
todos os outros membros do
grupo e continuou a escrever
em seu diário praticamente até
o dia em que morreu, seis anos
atrás, aos 103 anos de idade.
Embora os membros do Grupo de Bloomsbury fossem brilhantes e liberados, nem todos
eram felizes.
Mergulho no rio
A figura central era Virginia
Woolf, que, após sua casa ter sido atingida por uma bomba em
1941, escreveu uma carta a seu
marido, Leonard, dizendo "não
podemos suportar mais um daqueles tempos terríveis", encheu os bolsos de seu casaco de
pedras e mergulhou em um rio.
Um dos materiais do arquivo
recém-liberado é uma carta a
Francis Partridge datada de 3
de abril de 1941, seis dias após o
desaparecimento de Woolf,
mas antes de seu corpo ter sido
encontrado.
O autor da carta [leia nesta
pág.] foi o crítico de arte Clive
Bell, casado com a irmã de Virginia Woolf, Vanessa.
Frances Marshall (a futura
senhora Partridge) fez parte de
uma configuração sexual complexa que não foi exatamente
um triângulo amoroso, mas um
quadrilátero.
Filha do arquiteto William
Marshall, depois de formar-se
no Newnham College, em
Cambridge, ela começou a trabalhar em uma livraria.
Entres os clientes estavam
Lytton Strachey, famoso por
seus retratos iconoclastas de
vitorianos famosos, a pintora
Dora Carrington e o marido
desta, Ralph Partridge.
Os três viviam juntos em
uma casa de fazenda em Wiltshire chamada Ham Spray. Ao
mesmo tempo em que tinha
um caso com um dos amigos de
Ralph, Carrington estava perdidamente apaixonada por
Strachey. Mas este, que era gay,
amava Ralph Partridge.
Partridge ampliou o elenco
da configuração ao apaixonar-se pela jovem Frances Marshall. Ele e ela foram viver juntos em uma casa em Londres,
sem se preocuparem com o detalhe de que ele já era casado.
Strachey morreu de câncer
de estômago em 1932, e Carrington, não conseguindo superar sua morte, deu um tiro na
própria cabeça.
Sua mira não era boa, e ela
ainda estava viva quando Ralph
e Frances chegaram a Ham
Spray, algumas horas mais tarde. Ela morreu pouco depois.
O que ocorreu de fato foi que
Ralph e Frances se casaram no
ano seguinte e foram viver em
Ham Spray até a morte de
Ralph, em 1960, após a qual
Frances voltou para Londres.
Homens e mulheres
Rosamond Lehmann era um
ano mais jovem que Frances
Partridge e ficou famosa repentinamente em 1927, aos 26
anos, com seu primeiro romance, "Dusty Answer" [Poeira].
Nem todos gostaram de sua
obra. O crítico da "New Yorker"
Brendan Gill disse que um de
seus romances posteriores "era
falho porque tentava atribuir
os problemas das mulheres aos
homens, quando o verdadeiro
problema (aparentemente) era
algo chamado "destino". [Mas]
as mulheres não entendem o
destino; elas não escreveriam
um "Hamlet", nem que fossem
capazes disso".
Lehmann se casou duas vezes -a segunda com Wogan
Philipps, filho comunista de
um armador rico, mais tarde
celebrizado como o segundo
barão Milford e único comunista na Câmara dos Lordes.
O novo arquivo também inclui uma carta de Lehmann a
Frances Partridge descrevendo
uma discussão furiosa que Philipps teve com seu pai em 1932.
"Começou com uma discussão sobre a pena de morte e,
com rapidez de relâmpago, passou para o comunismo, a pintura obscena, o fato de participar
de um grupo obsceno, intelectuais fajutos, a intenção de fazer Wogan se contorcer abjetamente e suplicar por cada centavo etc. etc."
"Antes de nos darmos conta
do que estava acontecendo, um
documento foi dado a Wogan
para ele assinar, afirmando que
concordava em ir trabalhar na
fábrica de automóveis de Morris como mecânico comum e
então ir passar seis meses na
Rússia e procurar qualquer trabalho que conseguisse."
"Enquanto isso, era redigida
outra carta, esta para Morris,
pedindo a ele que aceitasse empregar Wogan e o curasse de
sua baboseira comunista."
Sem ter sido curado dela,
Philipps foi à Espanha como
motorista de ambulância voluntário durante a Guerra Civil.
O casamento chegou ao fim
depois de seu retorno, e Lehman iniciou um relacionamento longo e infeliz com Cecil
Day-Lewis. Mas, pelo menos,
Wogan retornou vivo, diferentemente de Julian, filho de Clive e Vanessa Bell, morto enquanto dirigia uma ambulância
no verão de 1937.
Assim como Partrdige, Lehmann teve vida longa, morrendo em 1990, aos 89 anos de idade. "De certo modo, essas duas
mulheres pertenceram a uma
geração que só poderia ter existido no entreguerras", disse Patricia McGuire, arquivista do
King's College, de Cambridge,
que adquiriu as duas coleções.
"Elas tinham educação, formação e direitos, mas também
dispunham de muito tempo livre e não precisavam ser donas
de casa. Tinham pontos de vista
bem desenvolvidos e sabiam
discorrer com clareza sobre
suas emoções."
A íntegra deste texto saiu no "Independent".
Tradução de Clara Allain .
Texto Anterior: +lançamentos Próximo Texto: O quem é quem de Bloomsbury Índice
|