São Paulo, Domingo, 28 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAPITU

Conheça, a seguir, uma amostra da polêmica história da recepção crítica de "Dom Casmurro", sobretudo em relação ao ponto mais discutido do livro, a questão do adultério.

José Veríssimo - "("Dom Casmurro" trata de) um homem inteligente, sem dúvida, mas simples, que desde rapazinho se deixa iludir pela moça que ainda menina amara, que o enfeitiçara com a sua faceirice calculada, com a sua profunda ciência congênita de dissimulação, a quem ele se dera com todo ardor compatível com o seu temperamento pacato." ("História da Literatura Brasileira")

Lúcia-Miguel Pereira - "Capitu, se traiu o marido, foi culpada ou obedeceu a impulsos e hereditariedades ingovernáveis? É a pergunta que resume o livro. (...) Há a idéia central de saber se Capitu foi uma hipócrita ou uma vítima de impulsos instintivos. Em outras palavras, se pode ser responsabilizada." ("Machado de Assis")

Augusto Meyer - "Capitu é o melhor exemplo daquilo que Bentinho afirmava, a propósito de si mesmo: "Chega a fazer suspeitar que a mentira é, muita vez, tão involuntária como a transpiração". Capitu mente como transpira, por necessidade orgânica." ("Capitu", em "Textos Críticos")

Antonio Candido - "Dentro do universo machadeano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária ou real, ela destrói sua casa e a sua vida." ("Esquema de Machado de Assis", em "Vários Escritos")

Silviano Santiago - "Os críticos estavam interessados em buscar a verdade sobre Capitu, ou a impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu, quando a única verdade a ser buscada é a de Dom Casmurro." ("Retórica da Verossimilhança", em "Uma Literatura nos Trópicos")

Antonio Callado - "Respeitemos um dos dogmas da nossa literatura, que é o da maculada conceição do filho de Capitu com Escobar. Cultuemos a sua infidelidade e não afastemos de nós a negra inveja que sentimos de Escobar." (Na Folha, em 12/10/1994)

Dalton Trevisan - "Até você, cara -o enigma de Capitu? Essa, não: Capitu inocente? Começa que enigma não há: o livro, de 1900, foi publicado em vida do autor -e até sua morte, oito anos depois, um único leitor ou crítico negou o adultério?" (Na Folha, em 23/5/92)

Otto Lara Resende - "Quem fica tiririca, e com toda razão, com essa história mal contada, e tão mal contada que desmente o próprio Machado de Assis, é o Dalton Trevisan (...) Dar o Bentinho como o "nosso Otelo" é pura fantasia. Bestialógico mesmo." (Na Folha, em 8/1/1992)

John Gledson - "É característico do uso que Machado faz do narrador em primeira pessoa, seja ele Brás Cubas, o Conselheiro Aires ou o padre de "Casa Velha", que Machado está, de fato, bem distante do ponto de vista deles (...) -foram intencionalmente concebidos para agradar o leitor, aliciá-lo no sentido de aceitar o ponto de vista do narrador. (...) Concordamos com eles porque compartilhamos suas atitudes -é por isso que a (possível) inocência de Capitu levou tanto tempo para ser descoberta, e, talvez, também por isso, foi descoberta por uma mulher." ("Machado de Assis - Impostura e Realismo")

Roberto Schwarz - "("Dom Casmurro') solicita três leituras sucessivas: uma, romanesca, onde acompanhamos a formação e decomposição de um amor; outra, de ânimo patriarcal e policial, à cata de prenúncios e evidências do adultério, dado como indubitável; e a terceira, efetuada a contracorrente, cujo suspeito e logo réu é o próprio Bento Santiago, na sua ânsia de convencer a si e ao leitor da culpa da mulher. Como se vê, uma organização narrativa intrincada, mas essencialmente clara, que deveria transformar o acusador em acusado. Se a viravolta crítica não ocorre ao leitor, será porque este se deixa seduzir pelo prestígio poético e social da figura que está com a palavra." ("A Poesia Envenenada de Dom Casmurro", em "Duas Meninas")


Texto Anterior: John Gledson: Rapto do narrador
Próximo Texto: José Geraldo Couto: Um crítico do Brasil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.