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Ponto de fuga
Fascismo e arquitetura
Jorge Coli
especial para a Folha
O título é mais geral do que devia:
"Arquitetura Italiana no Brasil". O
subtítulo explicita: "A Obra de Marcello Piacentini". Talvez tivesse impacto mais justo: fascismo e arquitetura no Brasil. Trata-se de um estudo
de Marcos Tognon, publicado pela
Editora da Unicamp, num volume
muito rico de ilustrações. A partir dos
anos 30, o endurecimento do regime
de Vargas mostrava certas afinidades
com a Itália de Mussolini. Havia também a força econômica de imigrantes
italianos.
Isso propiciou a vinda ao Brasil de
Piacentini, o arquiteto por excelência
do regime fascista. Ele foi solicitado
pelo governo para projetos ambiciosos -a Universidade do Brasil, que
não se realizaria- e por Matarazzo,
para a construção da sede comercial,
vizinha ao viaduto do Chá. Dele emanou também, embora por via interposta, a residência da família Matarazzo, demolida, em 1996, por razões
suspeitas.
O livro de Tognon é uma contribuição essencial para compreender a arquitetura desse período no Brasil e os
fenômenos culturais que ela implica.
O autor teve dificuldades maiores.
Entre nós, o tema faz parte de um
campo desprezado e ocultado por
uma historiografia de tradição "moderna" e nacionalista. Na Itália, possui marcas de infâmia ideológica;
apenas nos últimos anos começou a
ser revisto e estudado. Tognon agiu,
portanto, como pioneiro. Levantou
um número enorme de documentos,
articulou tudo isso por análises agudas. Seu trabalho é exemplar, rigoroso e apaixonante, abrindo belas e novas perspectivas.
Cosa nostra - Chiaffarelli, Baldi,
Zampari, Ximenes, Brizzollara, Zani,
Rocco, Rollo, Piacentini, Morpurgo,
para não falar de Bardi: a lista dos artistas e intelectuais italianos importantes para a cultura paulista e, mais
amplamente, brasileira não termina.
No campo da música, do teatro, das
artes plásticas essa presença foi muito
forte, reforçada com a bagagem mental trazida pelos imigrantes anônimos. O projeto de uma "identidade"
brasileira foi preponderante no século 20. Ele vestiu todas as cores ideológicas e eclipsou -salvo raras exceções-o papel desses carcamanos,
sentidos como intrusos, como gringos ilegítimos num Brasil verde-amarelo.
São sentimentos que permanecem
ainda. A casa Matarazzo era edifício
de grande significação histórica e arquitetural, emblemático dentro dos
processos de modernização ocorridos no Brasil. Há apenas quatro anos,
nos debates que precederam sua demolição, surgiram argumentos como: "Por que deveríamos salvar um
edifício construído por um arquiteto
italiano para um industrial italiano?".
Pollice Verso - Ridley Scott dirigiu
filmes essenciais, poderosos, com
uma escrita cinematográfica segura e
ampla. Neles, cada gesto parece adquirir uma situação épica. Seu mundo não é o da banalidade cotidiana,
mas o das vibrações superiores: basta
pensar em "Thelma e Louise", que
decola de vidas mesquinhas em direção ao destino heróico. "Gladiador"
parece fazer o percurso contrário.
Amesquinha-se com uma história
empobrecida, com personagens inconsistentes. O estilo cinematográfico perde-se em trucagens, tudo se
torna superficial.
Em "A Queda do Império Romano", de Anthony Mann, o imperador
Cômodo, encarnado por Cristopher
Plummer, desmoronava no final soberbo, concluindo uma epopéia coletiva. Nada disso ocorre em "Gladiador". Mas, enfim, a crítica, o público,
e a própria filmografia do diretor falam em favor do filme. É melhor deixar decantar, e rever, antes de uma
opinião mais conclusiva.
Caro nome - Gravação "pirata", em
CD, pela marca "Naxos": "Rigoletto",
na Met de Nova York (1936), cantado
por Lawrence Tibett, Lily Pons e Frederick Jagel. A ópera de Verdi é ali expressa, como nunca, numa dor íntima e intensamente musical.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:coli20@hotmail.com
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