São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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Ponto de fuga

Fascismo e arquitetura

Jorge Coli
especial para a Folha

O título é mais geral do que devia: "Arquitetura Italiana no Brasil". O subtítulo explicita: "A Obra de Marcello Piacentini". Talvez tivesse impacto mais justo: fascismo e arquitetura no Brasil. Trata-se de um estudo de Marcos Tognon, publicado pela Editora da Unicamp, num volume muito rico de ilustrações. A partir dos anos 30, o endurecimento do regime de Vargas mostrava certas afinidades com a Itália de Mussolini. Havia também a força econômica de imigrantes italianos.
Isso propiciou a vinda ao Brasil de Piacentini, o arquiteto por excelência do regime fascista. Ele foi solicitado pelo governo para projetos ambiciosos -a Universidade do Brasil, que não se realizaria- e por Matarazzo, para a construção da sede comercial, vizinha ao viaduto do Chá. Dele emanou também, embora por via interposta, a residência da família Matarazzo, demolida, em 1996, por razões suspeitas.
O livro de Tognon é uma contribuição essencial para compreender a arquitetura desse período no Brasil e os fenômenos culturais que ela implica. O autor teve dificuldades maiores. Entre nós, o tema faz parte de um campo desprezado e ocultado por uma historiografia de tradição "moderna" e nacionalista. Na Itália, possui marcas de infâmia ideológica; apenas nos últimos anos começou a ser revisto e estudado. Tognon agiu, portanto, como pioneiro. Levantou um número enorme de documentos, articulou tudo isso por análises agudas. Seu trabalho é exemplar, rigoroso e apaixonante, abrindo belas e novas perspectivas.

Cosa nostra - Chiaffarelli, Baldi, Zampari, Ximenes, Brizzollara, Zani, Rocco, Rollo, Piacentini, Morpurgo, para não falar de Bardi: a lista dos artistas e intelectuais italianos importantes para a cultura paulista e, mais amplamente, brasileira não termina. No campo da música, do teatro, das artes plásticas essa presença foi muito forte, reforçada com a bagagem mental trazida pelos imigrantes anônimos. O projeto de uma "identidade" brasileira foi preponderante no século 20. Ele vestiu todas as cores ideológicas e eclipsou -salvo raras exceções-o papel desses carcamanos, sentidos como intrusos, como gringos ilegítimos num Brasil verde-amarelo.
São sentimentos que permanecem ainda. A casa Matarazzo era edifício de grande significação histórica e arquitetural, emblemático dentro dos processos de modernização ocorridos no Brasil. Há apenas quatro anos, nos debates que precederam sua demolição, surgiram argumentos como: "Por que deveríamos salvar um edifício construído por um arquiteto italiano para um industrial italiano?".

Pollice Verso - Ridley Scott dirigiu filmes essenciais, poderosos, com uma escrita cinematográfica segura e ampla. Neles, cada gesto parece adquirir uma situação épica. Seu mundo não é o da banalidade cotidiana, mas o das vibrações superiores: basta pensar em "Thelma e Louise", que decola de vidas mesquinhas em direção ao destino heróico. "Gladiador" parece fazer o percurso contrário. Amesquinha-se com uma história empobrecida, com personagens inconsistentes. O estilo cinematográfico perde-se em trucagens, tudo se torna superficial.
Em "A Queda do Império Romano", de Anthony Mann, o imperador Cômodo, encarnado por Cristopher Plummer, desmoronava no final soberbo, concluindo uma epopéia coletiva. Nada disso ocorre em "Gladiador". Mas, enfim, a crítica, o público, e a própria filmografia do diretor falam em favor do filme. É melhor deixar decantar, e rever, antes de uma opinião mais conclusiva.

Caro nome - Gravação "pirata", em CD, pela marca "Naxos": "Rigoletto", na Met de Nova York (1936), cantado por Lawrence Tibett, Lily Pons e Frederick Jagel. A ópera de Verdi é ali expressa, como nunca, numa dor íntima e intensamente musical.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:coli20@hotmail.com


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